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SHOW
Cantor começa amanhã temporada de seu novo álbum, "A Foreign Sound", que ironiza dizendo ser "chato e longo"
Caetano Veloso mostra seu avesso em SP
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Dias antes do Oscar 2003 -e
pouco depois de George W. Bush
ordenar a invasão do Iraque-, o
ator Gael García Bernal ("Diários
de Motocicleta") deixou revoltado o salão de uma festa em que se
cantava de pé "God Bless America". Caetano Veloso não saiu, explicando depois ao amigo mexicano: "Eu fiquei de pé por causa
de Irving Berlin [autor da canção
patriótica]".
Contada por Caetano, a história
ilustra o espírito de "A Foreign
Sound" -o CD e também o
show, que faz temporada no Tom
Brasil - Nações Unidas de amanhã
a 6 de junho. Afeito a avessos, o
cantor usa a mesma língua inglesa
dos discursos de Bush para mostrar, por meio da música popular,
o que mereceria ser louvado na
sociedade americana.
"Eu sempre trabalhei dessa maneira", diz Caetano, 61, remetendo ao tropicalismo para se queixar de comentários sobre o disco.
"Você pode estar há 30 anos fazendo um negócio que implica
determinadas conseqüências intelectuais, mas as forças de inércia
puxam. Por exemplo, a imagem
de que é um disco adocicado de
músicas estabelecidas é mais forte
do que qualquer coisa que você
faça. Então é preciso recomeçar a
briga do zero."
Segundo disse o próprio Caetano, em 16 de abril, durante o show
que fez no Carnegie Hall, em Nova York, "talvez seja mais difícil
[nesse disco] ler as muitas camadas de comentários e observações
nas músicas". Ele apenas estabelece algumas balizas.
"Se ["A Foreign Sound'] estiver,
esteticamente, no extremo oposto
do filme "Dogville" [do cineasta dinamarquês Lars von Trier, com
Nicole Kidman], eu fico orgulhoso", contrapõe. "É um filme horrível em todos os sentidos. Malfeito,
oportunista, feio e errado. Pretende dizer que é um estado de ânimo contra o domínio americano.
Se o meu disco for um estado de
ânimo oposto àquele, eu fico orgulhoso."
Ele seria, em algum sentido, a
favor do domínio americano?
"Olha, se for daquele jeito, eu
prefiro ser a favor", responde.
"Não teria nenhum problema, se
fosse o caso. Não me sinto submetido ao domínio americano. Claro
que objetivamente estou, como
todos estamos. Mas, internamente, não me sinto."
Conceito
Todas as músicas brasileiras que
estão no show têm nítida relação
com o conceito do CD, a começar
pela nova "Diferentemente", em
que diz: "Diferentemente de Osama [Bin Laden] e Condoleezza
[Rice], eu não acredito em Deus".
Também é o caso de "Não Tem
Tradução" (Noel Rosa), que já
abria o show no Carnegie Hall. Ou
do bloco formado por "Adeus,
Batucada" (Sinval Silva) e "Brasil
Pandeiro" (Assis Valente): Carmen Miranda se despediu do país
fazendo sucesso com a primeira e,
estrela nos EUA, não quis gravar a
segunda. De Caetano Veloso, "O
Estrangeiro" e "Manhatã" estão
na lista.
Em relação às americanas, ele
afirma não fazer distinção entre
clássicos como "Sophisticated
Lady" (Duke Ellington) e "So in
Love" (Cole Porter) e canções pop
como "Diana" (Paul Anka) e "Come as You Are" (Kurt Cobain).
"Todas têm uma função conceitual e todas são bonitas. Cada
uma na sua dimensão. A beleza
não é dissociada da função conceitual e do potencial de comentário que a canção e a escolha da
canção têm."
Nos últimos ensaios, ele tem
procurado tirar algumas canções
do repertório, apesar das queixas
de seus músicos -Jacques Morelenbaum (cello e direção musical), Lula Galvão (violão), Pedro
Sá (guitarra), Jorge Helder (contrabaixo), Léo Reis (percussão) e
Carlos Bala (bateria), além de
uma orquestra de 21 pessoas. Sua
intenção é não fazer um show de
duas horas, como foi o do Carnegie Hall, em que falou bastante
com a platéia.
"O disco já tem esse problema.
É comprido, insuportavelmente
longo, chato. Ninguém ouve inteiro", faz charme.
"God Bless America" não está
no repertório. Mas, durante a entrevista, Caetano Veloso se lembrou de como seu pai gostava de
"Deus Salve a América", a versão
nacional da música de Berlin, e
cantou um trecho grande. Para
então, afeito aos avessos, criticar
norte-americanos e, de raspão,
brasileiros:
"Eu cantava isso quando criança e achava que estava se falando
da América como um todo. A
mesma América de Che Guevara.
Depois eu descobri que não sei
como chamar quem nasce nos Estados Unidos. É um país sem nome. Estados Unidos é só uma
condição. O Brasil também se
chamava Estados Unidos do Brasil, e o México se chama Estados
Unidos do México. Não quer dizer nada. Eles roubaram o nome
do continente. É como os colonizadores ingleses, que acham que
só eles valem. Aqueles outros
mais escuros e os índios não valem muito. E até hoje ainda não
provamos se valemos mesmo ou
não. Eles estão com a bola toda",
completa.
CAETANO VELOSO - A FOREIGN
SOUND. Quando: de amanhã ao dia 30
de maio e do dia 3 a 6 de junho (de qui. a
sáb., às 22h; e dom., às 20h). Onde: Tom
Brasil - Nações Unidas (r. Bragança
Paulista, 1.281, Santo Amaro, SP, tel. 0/
xx/11/ 2163-2000). Quanto: de R$ 50 a
R$ 100.
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