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Crítica
Cineastas belgas traduzem o mundo em que vivemos
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
H
á bandidos existenciais ("Acossado"), há
bandidos políticos, como o "da Luz Vermelha", há os
tocados por forças superiores
("M, o Vampiro de Dusseldorf"), os psicopatas ("Fúria
Sanguinária") ou os que procuram o mal ("Pickpocket").
Todos marcaram o cinema
porque souberam captar sua
época. É o que parece estar destinado a acontecer com Bruno,
o bandido de "A Criança", de
Luc e Jean-Pierre Dardenne. O
mais provável é que aconteça
de forma lenta, como o reconhecimento dos próprios Dardenne, que até hoje talvez seguissem semi-anônimos não
fosse a audácia de David Cronenberg e seu júri de premiá-los com a Palma de Ouro de
Cannes por "Rosetta" (1999).
Naquele momento, houve espanto: quem desbancava os favoritos? Hoje, não existe espanto quando topamos com
Bruno, um jovem incapaz de
ver outra qualidade nas coisas
que não a de mercadoria.
Estamos na Bélgica. Na abertura, vemos uma moça, com
criança no colo, chegar à sua casa. É Sonia, que acaba de ter um
filho. A câmera segue seus passos à maneira dos Dardenne,
como que inquieta por saber
mais sobre ela. Sonia tenta entrar no apartamento, mas ele
está ocupado. Bruno o alugara
por alguns dias, saberá a seguir.
Bruno é o pai da criança. Ele
não perderá a ocasião para vendê-la. A câmera cerca-o como a
Sonia, como se quisesse entrar
nele. Mas é como se não tivesse
resposta. É como se os personagens nem tivessem "interior".
Diante do espanto de Sonia
por ter vendido o filho, ele responde, candidamente, que podem perfeitamente fazer outro
(para uso próprio desta vez?).
Daria para falar de banalidade
do mal, se não soasse tão banal
a esta altura. A reação dela é enfática o bastante para que Bruno tope desfazer o negócio. É
como se, nesse mundo sem luz,
o desaparecimento da criança
abrisse, para ela, uma brecha.
Não para Bruno. É verdade, o
mundo lhe dará algumas penas
daí por diante. Não será castigado por um Deus ausente, mas
por gângsteres mesmo. Deus
não está em questão neste filme. A questão é a dificuldade de
um homem se manter homem
num mundo cheio de adversidades. Com Bruno, os Dardenne chegaram a uma originalíssima saga de fora-da-lei. Bruno
é um bandido da mercadoria.
A CRIANÇA
Direção: Jean-Pierre e Luc Dardenne
Elenco: Jérémie Renier, Déborah
François
Quando: a partir de hoje no Cinesesc, Reserva Cultural e circuito
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