São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 2006

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Crítica

Cineastas belgas traduzem o mundo em que vivemos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

H á bandidos existenciais ("Acossado"), há bandidos políticos, como o "da Luz Vermelha", há os tocados por forças superiores ("M, o Vampiro de Dusseldorf"), os psicopatas ("Fúria Sanguinária") ou os que procuram o mal ("Pickpocket"). Todos marcaram o cinema porque souberam captar sua época. É o que parece estar destinado a acontecer com Bruno, o bandido de "A Criança", de Luc e Jean-Pierre Dardenne. O mais provável é que aconteça de forma lenta, como o reconhecimento dos próprios Dardenne, que até hoje talvez seguissem semi-anônimos não fosse a audácia de David Cronenberg e seu júri de premiá-los com a Palma de Ouro de Cannes por "Rosetta" (1999). Naquele momento, houve espanto: quem desbancava os favoritos? Hoje, não existe espanto quando topamos com Bruno, um jovem incapaz de ver outra qualidade nas coisas que não a de mercadoria. Estamos na Bélgica. Na abertura, vemos uma moça, com criança no colo, chegar à sua casa. É Sonia, que acaba de ter um filho. A câmera segue seus passos à maneira dos Dardenne, como que inquieta por saber mais sobre ela. Sonia tenta entrar no apartamento, mas ele está ocupado. Bruno o alugara por alguns dias, saberá a seguir. Bruno é o pai da criança. Ele não perderá a ocasião para vendê-la. A câmera cerca-o como a Sonia, como se quisesse entrar nele. Mas é como se não tivesse resposta. É como se os personagens nem tivessem "interior". Diante do espanto de Sonia por ter vendido o filho, ele responde, candidamente, que podem perfeitamente fazer outro (para uso próprio desta vez?). Daria para falar de banalidade do mal, se não soasse tão banal a esta altura. A reação dela é enfática o bastante para que Bruno tope desfazer o negócio. É como se, nesse mundo sem luz, o desaparecimento da criança abrisse, para ela, uma brecha. Não para Bruno. É verdade, o mundo lhe dará algumas penas daí por diante. Não será castigado por um Deus ausente, mas por gângsteres mesmo. Deus não está em questão neste filme. A questão é a dificuldade de um homem se manter homem num mundo cheio de adversidades. Com Bruno, os Dardenne chegaram a uma originalíssima saga de fora-da-lei. Bruno é um bandido da mercadoria. A CRIANÇA      Direção: Jean-Pierre e Luc Dardenne Elenco: Jérémie Renier, Déborah François Quando: a partir de hoje no Cinesesc, Reserva Cultural e circuito

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