São Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2010

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Pessoa africano

Folha refaz passos do poeta em Durban (África do Sul), cidade que verá confronto de Brasil e Portugal

Apic/Hulton Archive/Getty Images
O poeta português aos dez anos, em foto tirada em estúdio de Durban

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL A DURBAN

O ano de 1904 foi movimentado para C.R. Anon, estudante da Durban High School, escola de elite da então colônia inglesa de Natal, na África do Sul. A paixão por polêmicas literárias o levava a escrever para o "Natal Mercury", o maior jornal local.
Uma das contribuições memoráveis ocorreu na edição de 9 de julho, em que ele demole, em oito versos de um poema sem título, a tradução publicada alguns dias antes por um colega de um texto de Horácio, escritor romano do século 1º a.C..
Anon, cujo sobrenome é uma brincadeira com "anônimo", nunca existiu. Foi um dos primeiros personagens atrás dos quais se refugiou um jovem português de 16 anos que se tornaria um dos maiores poetas do século 20, Fernando Pessoa.
Ele havia chegado oito anos antes à cidade, acompanhando a mãe e o padrasto, João Miguel Rosa, cônsul de Portugal, país que mantinha grande intercâmbio comercial com Durban.
Hoje, o poeta é lembrado numa estátua, na escola em que estudou e nos arquivos do "Mercury". Mas nenhuma das casas em que passou a juventude resistiu ao crescimento da metrópole.
Na virada do século, Durban atraía imigrantes de países pobres da Europa, como Portugal, e indianos trazidos pelos ingleses para as plantações de cana-de-açúcar.
Quando Pessoa chegou, em 1896, a cidade tinha 28 mil habitantes. Quando ele partiu, em 1905, o local havia dobrado de tamanho.

DESTINO SINGULAR
"Foi em Durban que este homem singular começou a perceber seu destino e a ter contato com a futura fama e glória literária", escreveu Hubert Jennings no livro "Fernando Pessoa in Durban", de 1986.
Ali, Pessoa teve seus estudos iniciais, primeiro numa escola de freiras irlandesas. Viveu de perto a guerra entre colônias britânicas e repúblicas africâners (de descendentes holandeses) de 1899 a 1902. Apesar de admirador do imperialismo britânico, foi um crítico do conflito.
Chegou sem falar uma palavra de inglês, mas, três anos depois, já dominava o idioma. Durante toda a vida foi um anglófilo. Em inglês escreveu sua última linha no leito de morte em 1935: "I know not what tomorrow will bring" (eu não sei o que o amanhã trará).
Ao retornar a Portugal, em 1905, já saindo da adolescência, Pessoa deu vida a algo que havia começado a esboçar naqueles poemas de C.R. Anon, a criação de heterônimos. Segundo especialistas, sua maior contribuição para a literatura universal.


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