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ERUDITO
A vontade de tirar a roupa em "Sagração"
ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
"Vontade de tirar a roupa,
dançando a "Sagração da
Primavera'", como dizem os Pet
Shop Boys. Vontade todo mundo
tem, mas nem sempre uma "Sagração" à altura: ao vivo, 103 músicos explodindo em maravilhas e
brutalidades, um cataclismo sonoro, não só dentro, mas fora da
cabeça.
Não seria a verdade factual dizer
que a "Sagração" foi dada pela
primeira vez aos brasileiros pelos
brasileiros na semana passada pela Orquestra Sinfônica do Estado
de São Paulo (Osesp). Mas provavelmente é uma verdade da música. Outras tentativas, até onde se
sabe, não valeram.
A "Sagração" continua tão insólita e, ao mesmo tempo, tão natural hoje como em 1913. O modernismo ali transcende a noção de
estilo. Dá a impressão de chegar a
um limite da condição humana
crua, para não dizer nua.
Soberano
Nem nua nem, muito menos,
crua, a mais russa das músicas foi
interpretada pelo maestro John
Neschling, sábado passado, sem
"russismos" e sem exotismos,
mas sem perder uma dose de loucura jamais. Neschling manteve-se soberano e tranquilo em meio à
primavera e ao sacrifício. Mas a
fúria da contagem e/ou das dificuldades de encontrar o som absoluto deixaram os músicos em
estado de concentração búdica; e
isso, que causou algum distanciamento no começo, fez a Osesp sair
de si depois, para chegar aonde
não tinha ido ainda, ou não assim.
E nem sempre pelo arroubo e
pela violência. Um dos grandes
momentos dessa "Sagração" foi a
passagem delicadíssima dos
trompetes com surdina, no início
da segunda parte, respondidos
pelas violas e comentados pela requinta. Música de Marte, ou de
Saturno, ou do fundo da espinha.
Destaque
O herói da tarde, como esperado, foi o fagotista Fábio Cury. A
"Sagração" começa com um solo
de fagote, na região mais aguda
do instrumento. "Por que o sr.
não o deu para o corne inglês?",
perguntaram a Stravinski. "Porque o fagotista tem de estar com
medo. Esse é o som que eu quero." Se tivesse ouvido Cury, mudaria de idéia. Foi de uma calma
até inquietante, calma com sombras, emotiva, original.
O mundo termina com um
bang!, não com um suspiro. Ovação, platéia em pé, Neschling fazendo solista por solista e naipe
por naipe agradecer. Palmas e
mais palmas, até doerem as mãos.
Com Stravinski no cérebro, a
gente até esquece do lindo "Concerto", de Dvorák (1841-1904), solado antes pelo violoncelista Mario Brunello. Injustiça. A borboleta dos dedos voou feliz pelas alturas incríveis da primeira corda. E
o arco é expressivo em acordes e
melancolias. Brunello toca na medida sábia de si, sem afetar genialidade, mas sem menosprezar
uma musicalidade muito franca e
madura.
É que o Stravinski faz de tudo
terra arrasada. "I feel like taking
all my clothes off/ Dancing to "The
Rite of Spring"." Vontade todo
mundo tem, todo mundo teve. Só
não tirou por timidez.
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