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DRAUZIO VARELLA
A cura do câncer
Se um dia você ouvir que foi
encontrada a cura do câncer,
não leve a sério.
O que chamamos de câncer é na
verdade um conjunto de mais de
cem patologias que, em comum,
têm apenas a célula maligna. Não
só os tumores originados nos diversos órgãos apresentam características próprias, como aqueles
oriundos de um mesmo tecido
evoluem de forma variável em cada indivíduo. Por exemplo: estima-se que para um câncer de mama atingir 1 cm de diâmetro pode
levar de dois a 17 anos, conforme
o caso. Há tumores que se disseminam pelo organismo antes de
serem detectáveis pelos exames
radiológicos mais sensíveis, enquanto outros de aparência idêntica, operados quando já mediam
5 cm, nunca se espalham.
É evidente que a escolha do tratamento precisa levar em conta
todas essas peculiaridades. Para
tanto, é fundamental identificarmos fatores prognósticos: conjunto das características que dão
idéia da gravidade do quadro e
da probabilidade de resposta à terapêutica.
Na década de 1970, sugiram os
primeiros estudos cooperativos
internacionais. Neles, pesquisadores de vários centros reúnem
em pouco tempo centenas, milhares de pacientes com o mesmo tipo de câncer, divididos de acordo
com determinados fatores prognósticos, para distribuí-los ao
acaso com a finalidade de receber
esquemas de tratamento que serão comparados estatisticamente
no final. Esses estudos provocaram uma revolução na cancerologia; decidir a melhor forma de
tratar alguém deixou de depender exclusivamente da impressão
subjetiva do médico.
Hoje, por mais promissora que
seja uma droga, só será aprovada
para uso clínico caso demonstre
eficácia nesses estudos internacionais com milhares de pacientes.
Como conseqüência, dispomos de
medicamentos bem avaliados,
com índices de resposta previsíveis e toxicidade conhecida. Esse
processo, no entanto, é caro e demorado. A indústria farmacêutica calcula que são necessários no
mínimo dez anos de pesquisa para lançar um novo produto no
mercado, a um custo médio de
um bilhão de dólares.
Para complicar, a experiência
mostra que cada medicamento
descoberto ajuda a curar apenas
certos subgrupos de pacientes e a
prolongar por mais alguns meses
a sobrevida dos incuráveis.
Todos os tumores avançados
que curamos nos dias atuais exigem combinações de várias drogas, freqüentemente associadas a
modalidades como cirurgia e radioterapia.
Este é o cenário atual: a sociedade exige remédios eficazes e seguros, mas eles consomem tempo
e dinheiro para provar sua utilidade. Num congresso internacional realizado neste mês na cidade
americana de New Orleans, um
pesquisador fez o cálculo de
quanto gastaria um doente com
câncer de intestino avançado que
vivesse 18 meses, à custa do uso
dos principais antineoplásicos
disponíveis: US$ 250 mil! Sem
contar gastos com analgésicos,
exames, consultas ou internações.
"Que país poderá pagar essa despesa?" -perguntou ele.
Tradicionalmente, os avanços
tecnológicos ficam mais baratos à
medida que se popularizam. Entretanto isso não acontece com a
maioria dos medicamentos usados em oncologia; eles entram no
comércio a um preço elevado para serem logo substituídos por
inovações mais caras ainda.
Como não viveremos as décadas necessárias até a ciência descobrir e testar todas as drogas necessárias, o que fazer para não
morrermos de câncer?
Antes de tudo, lembrar que essa
é uma doença passível de prevenção: perto de 40% dos casos são
provocados por cigarro; vida sedentária, consumo exagerado de
álcool, dietas pobres em vegetais e
ricas em alimentos altamente calóricos que levam à obesidade são
responsáveis por mais 30% (só
para citar as causas evitáveis
mais importantes).
Mas como nos defender dos tumores que surgem ao acaso ou
por predisposição genética?
Nessas situações, a única solução é o diagnóstico precoce. Alguns exames, como a mamografia, permitem evidenciar tumores
antes de atingirem 1 cm, apresentação curável em quase 100% dos
casos. Outros, como a colonoscopia, permitem não apenas visualizar o intestino por dentro e surpreender tumores iniciais, como
retirar lesões na fase pré-maligna
para evitar sua progressão.
Quanto às neoplasias para as
quais não existem métodos preventivos, a solução virá com o estudo das proteínas. Os tumores
malignos às vezes aumentam a
produção de certas proteínas normalmente excretadas pelos tecidos normais. A detecção delas na
corrente sangüínea permite o
diagnóstico precoce: é o caso do
PSA, o exame para detectar o
câncer de próstata.
Nos tumores em que ainda não
foram identificadas proteínas
desse tipo, a ciência básica deverá
desenvolver todo esforço para fazê-lo. A tarefa é achar uma agulha no palheiro: encontrar, no
meio de cerca de um milhão de
proteínas presentes no sangue,
qual delas foi produzida especificamente pela célula tumoral. O
conhecimento para tanto está disponível, o que falta é um Projeto
Proteinoma de cooperação internacional, como foi o Projeto Genoma que identificou todos os genes humanos em 12 anos.
O conhecimento dessas proteínas exclusivas das células malignas possibilitará inquéritos populacionais com a finalidade de
identificar os indivíduos que correm risco de apresentar câncer, de
modo a surpreendê-lo na fase inicial. Permitirá ainda avaliar a
agressividade de cada caso e a
probabilidade de resposta ao tratamento proposto, para evitar o
que acontece atualmente: tratarmos cem doentes com esquemas
tóxicos, caríssimos, que beneficiarão apenas 20.
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