São Paulo, domingo, 26 de junho de 2005

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FERREIRA GULLAR

A bruxa está solta

E está mesmo... De repente, como um tsunami, o escândalo do "mensalão" abalou os partidos do governo e deixou debatendo-se, nas águas revoltas, "representantes do povo". O PT, que desde sua origem empunha a bandeira da ética na política, perdeu a fala diante das acusações de corrupção. Só Genoino, por dever de ofício, continuou falando, mas a expressão de seus olhos preocupados negava o que sua boca dizia. O Lula finalmente saiu do palanque e substituiu o discurso pela piada, mas não resistiu e já voltou ao palanque. Algo de muito grave acontece, mas o desfecho é ainda imprevisível.
O deputado Roberto Jefferson não é flor que se cheire, mas o que ele disse faz sentido, tem pé e cabeça. Admitindo-se como verdadeira a acusação de que o PT ofereceu aos partidos aliados dinheiro em vez de cargos e que o PTB não aceitou a proposta, preferindo cargos em vez de dinheiro, faz sentido essa atitude petebista. E faz precisamente porque não foi tomada por razões éticas, mas, sim, como deixou claro Jefferson, por esperteza. Ele alegara que, se o PTB aceitasse dinheiro, ficaria nas mãos do governo. A opção esperta e vantajosa seria reivindicar cargos porque, além de não comprometer o partido, renderia grana, o que parece verdade, uma vez que o "mensalão" era pago com dinheiro vindo das empresas do governo através dos contratos de propaganda.
Até aqui a lógica é perfeita. Tudo veio se arranjando, como entre os gângsteres, sem nenhum respeito a qualquer princípio que não o da vantagem ilícita às expensas dos cofres públicos.
Mas, ainda dentro dessa lógica, a atitude do PTB de Jefferson -e especialmente a do próprio Jefferson- irritava a cúpula do governo petista, cujo projeto de poder implica a apropriação, pelo partido, da máquina do Estado. Por isso o PT prefere dar dinheiro a dar cargos. A teimosia de Jefferson, por constituir uma clara ameaça à estratégia petista, exigia medidas drásticas. Percebendo o que lhe preparavam, Jefferson foi a Lula, não para contar-lhe o que ele já sabia, mas para avisá-lo de que o sabia também. Lula, alarmado, mais que depressa mandou suspender o "mensalão", deixando os "filhotes" de biquinho aberto, piando, à espera da grana que parara de vir. Mas bom cabrito não pia por muito tempo, e assim o baixo clero decidiu agir, elegendo Severino no lugar do petista Greenhalgh. E Severino logo começou a reivindicar os cargos que jorram dinheiro. Tudo dentro da lógica do "mensalão". A verdade é que, desde que fecharam a torneira da grana, o governo perdeu o controle da Câmara dos Deputados. Faz sentido ou não faz?
Indignada, a cúpula petista decide se vingar de Jefferson e então se monta, com ajuda da Abin, um flagra em que Maurício Marinho, nomeado pelo PTB, aparece recebendo dinheiro de suborno. Jefferson, envolvido no escândalo, decide ir à guerra e como ele próprio disse: "Nós somos o sapo que os escorpiões do PT picam de vez em quando; sucede, porém, que, se tentarem matar o sapo, ele levará consigo para o fundo do rio todos os grandes escorpiões".
O primeiro desses escorpiões foi José Dirceu, então chefe da Casa Civil. Já marcado pelo escândalo de Waldomiro, não agüentou o segundo tranco. Trata-se de uma derrota pessoal, mas também de uma derrota do PT, que vê expurgado do governo o seu quadro mais importante, depois de Lula.
Para mascarar a derrota, Dirceu tentou inverter os sinais e fazer crer que deixou o Planalto para lutar na planície, como uma espécie de agente 007, chamado a desempenhar uma nova missão. Claro que não saiu por isso, mas que, de volta à Câmara, vai tentar bagunçar a CPI dos Correios, isso vai. Essa CPI que o governo fez tudo para não ser aprovada, mas que, com o escândalo, teve que engolir.
A verdade é que o PT acusou o golpe. A prova disso foi a manifestação de solidariedade a Dirceu armada às pressas por Genoino no dia seguinte à sua demissão e onde apresentaram o partido como vítima da perseguição de inimigos. O mesmo argumento usado por Jader Barbalho, Paulo Maluf e todos os que são pegos com a mão na botija.
Na tal manifestação Dirceu e Genoino prometeram mobilizar o PT em todo o país para defendê-lo mas também ao governo Lula, que aqueles mesmos inimigos pretenderiam pôr abaixo. Dando uma de Hugo Chávez, Dirceu ameaça mobilizar também o MST e, como não pode ser para defender a legalidade, será talvez para incendiar o país. Pirou.
Resta saber, porém, qual será a palavra de ordem de que se valerão Dirceu e Genoino para voltar a empolgar os militantes petistas, postos de lado há tanto tempo. A bandeira da ética na política parece pouco apropriada à conjuntura atual. Denunciar a política econômica neoliberal como uma entrega do país aos banqueiros internacionais? Não, pois com isso jogariam a massa petista contra o presidente da República. Que tal pregar a revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal? Também não dá, seria pôr a pique o esforço para manter o superávit fiscal. Parece que a saída é lançar a palavra de ordem "Fora, FHC!".


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