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FERREIRA GULLAR
A bruxa está solta
E está mesmo... De repente,
como um tsunami, o escândalo do "mensalão" abalou os
partidos do governo e deixou debatendo-se, nas águas revoltas,
"representantes do povo". O PT,
que desde sua origem empunha a
bandeira da ética na política, perdeu a fala diante das acusações
de corrupção. Só Genoino, por dever de ofício, continuou falando,
mas a expressão de seus olhos
preocupados negava o que sua
boca dizia. O Lula finalmente
saiu do palanque e substituiu o
discurso pela piada, mas não resistiu e já voltou ao palanque. Algo de muito grave acontece, mas o
desfecho é ainda imprevisível.
O deputado Roberto Jefferson
não é flor que se cheire, mas o que
ele disse faz sentido, tem pé e cabeça. Admitindo-se como verdadeira a acusação de que o PT ofereceu aos partidos aliados dinheiro em vez de cargos e que o PTB
não aceitou a proposta, preferindo cargos em vez de dinheiro, faz
sentido essa atitude petebista. E
faz precisamente porque não foi
tomada por razões éticas, mas,
sim, como deixou claro Jefferson,
por esperteza. Ele alegara que, se
o PTB aceitasse dinheiro, ficaria
nas mãos do governo. A opção esperta e vantajosa seria reivindicar cargos porque, além de não
comprometer o partido, renderia
grana, o que parece verdade, uma
vez que o "mensalão" era pago
com dinheiro vindo das empresas
do governo através dos contratos
de propaganda.
Até aqui a lógica é perfeita. Tudo veio se arranjando, como entre
os gângsteres, sem nenhum respeito a qualquer princípio que
não o da vantagem ilícita às expensas dos cofres públicos.
Mas, ainda dentro dessa lógica,
a atitude do PTB de Jefferson -e
especialmente a do próprio Jefferson- irritava a cúpula do governo petista, cujo projeto de poder
implica a apropriação, pelo partido, da máquina do Estado. Por isso o PT prefere dar dinheiro a dar
cargos. A teimosia de Jefferson,
por constituir uma clara ameaça
à estratégia petista, exigia medidas drásticas. Percebendo o que
lhe preparavam, Jefferson foi a
Lula, não para contar-lhe o que
ele já sabia, mas para avisá-lo de
que o sabia também. Lula, alarmado, mais que depressa mandou suspender o "mensalão", deixando os "filhotes" de biquinho
aberto, piando, à espera da grana
que parara de vir. Mas bom cabrito não pia por muito tempo, e
assim o baixo clero decidiu agir,
elegendo Severino no lugar do petista Greenhalgh. E Severino logo
começou a reivindicar os cargos
que jorram dinheiro. Tudo dentro
da lógica do "mensalão". A verdade é que, desde que fecharam a
torneira da grana, o governo perdeu o controle da Câmara dos
Deputados. Faz sentido ou não
faz?
Indignada, a cúpula petista decide se vingar de Jefferson e então
se monta, com ajuda da Abin, um
flagra em que Maurício Marinho,
nomeado pelo PTB, aparece recebendo dinheiro de suborno. Jefferson, envolvido no escândalo,
decide ir à guerra e como ele próprio disse: "Nós somos o sapo que
os escorpiões do PT picam de vez
em quando; sucede, porém, que,
se tentarem matar o sapo, ele levará consigo para o fundo do rio
todos os grandes escorpiões".
O primeiro desses escorpiões foi
José Dirceu, então chefe da Casa
Civil. Já marcado pelo escândalo
de Waldomiro, não agüentou o
segundo tranco. Trata-se de uma
derrota pessoal, mas também de
uma derrota do PT, que vê expurgado do governo o seu quadro
mais importante, depois de Lula.
Para mascarar a derrota, Dirceu tentou inverter os sinais e fazer crer que deixou o Planalto para lutar na planície, como uma
espécie de agente 007, chamado a
desempenhar uma nova missão.
Claro que não saiu por isso, mas
que, de volta à Câmara, vai tentar bagunçar a CPI dos Correios,
isso vai. Essa CPI que o governo
fez tudo para não ser aprovada,
mas que, com o escândalo, teve
que engolir.
A verdade é que o PT acusou o
golpe. A prova disso foi a manifestação de solidariedade a Dirceu
armada às pressas por Genoino
no dia seguinte à sua demissão e
onde apresentaram o partido como vítima da perseguição de inimigos. O mesmo argumento usado por Jader Barbalho, Paulo Maluf e todos os que são pegos com a
mão na botija.
Na tal manifestação Dirceu e
Genoino prometeram mobilizar o
PT em todo o país para defendê-lo mas também ao governo Lula,
que aqueles mesmos inimigos
pretenderiam pôr abaixo. Dando
uma de Hugo Chávez, Dirceu
ameaça mobilizar também o
MST e, como não pode ser para
defender a legalidade, será talvez
para incendiar o país. Pirou.
Resta saber, porém, qual será a
palavra de ordem de que se valerão Dirceu e Genoino para voltar
a empolgar os militantes petistas,
postos de lado há tanto tempo. A
bandeira da ética na política parece pouco apropriada à conjuntura atual. Denunciar a política
econômica neoliberal como uma
entrega do país aos banqueiros
internacionais? Não, pois com isso jogariam a massa petista contra o presidente da República.
Que tal pregar a revogação da Lei
de Responsabilidade Fiscal? Também não dá, seria pôr a pique o
esforço para manter o superávit
fiscal. Parece que a saída é lançar
a palavra de ordem "Fora, FHC!".
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