São Paulo, terça-feira, 26 de junho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Latinos debatem uma Macondo em ruínas

Em Paraty, autores se confrontarão mais uma vez com o insepulto realismo mágico

Rodrigo Fresán, Alan Pauls, Guillermo Arriaga, Ignacio Padilla e Cesar Aira estão em encontro; para Padilla discussão já cansou

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando os novos autores latinos convidados para a Festa Literária Internacional de Parati forem fatalmente questionados sobre a tão alardeada morte do realismo mágico, estarão falando de um cadáver insepulto há ao menos 11 anos.
Desde 1996, data da publicação da coletânea "McOndo" (ed. Mondadori), organizada pelos chilenos Alberto Fuguet e Sergio Gómez, uma nova geração de autores, especialmente do Chile, da Colômbia, do México e da Argentina, tem confrontado o gênero que até então definira as letras do continente, principalmente depois do chamado "boom" dos anos 70.
O título do livro faz um trocadilho entre Macondo, nome da cidade onde se passa o romance "Cem Anos de Solidão", de Gabriel García Márquez, e a rede de lanchonetes McDonald's.
A idéia inicial foi romper com a tradição latino-americana em três níveis. Primeiro, tratava-se de desconstruir o universo mítico e fantasioso inaugurado por García Márquez e explorado à exaustão por seus seguidores. Depois, acabar com a vinculação entre literatura e um projeto de esquerda considerado ultrapassado. E, por fim, deixar de evocar tradições indígenas ou paisagens nacionais estereotipadas para a ambientação dos romances.
A geração do então batizado "realismo urbano" surgia assim menos política, mais multiculturalista, metropolitana e livre para escrever histórias que se passassem em qualquer lugar do tempo e do espaço.
Os tempos de "diversidade cultural", porém, falaram mais alto, e hoje poucos admitem que exista um projeto literário homogêneo. "Houve um exagero por parte da mídia ao reforçar esse rótulo de realismo urbano. Nunca me senti sendo contra nada nem ninguém, muito menos contra o García Márquez. Apenas acho que um escritor deve poder imaginar tramas que não se passem necessariamente no lugar em que vive", disse à Folha o argentino Rodrigo Fresán, um dos autores que estavam na coletânea organizada por Fuguet e que integrará a mesa "De Macondo a McOndo" com o mexicano Ignacio Padilla, no encontro em Paraty (de 4 a 8 de julho).
Integrante da geração "Crack" -uma espécie de braço mexicano do "realismo urbano"-, Padilla concorda que a discussão sobre o fim do realismo mágico já cansou, mas pode alimentar debates.
Em seu manifesto de fundação, também de 1996, o grupo "Crack" pedia mais "complexidade" para a narrativa mexicana e estimulava a variedade no que diz respeito à localização geográfica das histórias.
"Conversar com Fresán será ótimo, porque creio que ele e eu somos os que defendem mais ao extremo a idéia de uma literatura feita aqui, mas que seja internacional", disse.
Os mais recentes romances de Padilla, "Amphytrion" e "Espiral de Artilharia", se passam durante a Segunda Guerra e o período da desconstrução do projeto soviético. Já Fresán mistura Londres nos "swinging sixties" e a era vitoriana, em "Jardins de Kensington".
"O internacionalismo é o aspecto mais comum à nova geração, ainda que relacionado de alguma forma a nossos países", diz Padilla. "No meu caso, tratei do fim do totalitarismo soviético para pensar os estertores do governo PRI (Partido Revolucionário Institucional), no México, em 2000.
O argentino Cesar Aira também não gosta de ouvir falar em rótulos. "A literatura é algo muito individual. Grupos e tendências não servem para nada. Esses agrupamentos são invenção de críticos e jornalistas culturais. Comprovo isso sempre que me colocam em alguma lista", diz. Na Flip, Aira vai debater ensaio e ficção com o brasileiro Silviano Santiago. O escritor também vai ler trechos da coletânea de ensaios "Pequeno Manual de Procedimentos".

Violência e amor
O autor dos roteiros de "Babel" e "Amores Brutos", fenômenos recentes do novo cinema latino-americano, Guillermo Arriaga mostrará seu lado romancista na Flip. O universo de mortes violentas, prostitutas e assassinos de seus filmes é o mesmo que povoa sua ficção. E, por mais atual que tudo possa parecer, Arriaga se sente devedor da tradição literária mexicana. A relação dos personagens com um deserto fundacional lembra os enredos de Juan Rulfo (1917-1986), em obras como "Pedro Páramo".
Completa o time dos latinos o argentino Alan Pauls. Até pouco tempo editor do suplemento cultural do irreverente jornal "Pagina 12", o autor de "O Passado" -romance filmado por Hector Babenco e previsto para estrear em outubro- vem conversar sobre o amor com a psicanalista Maria Rita Kehl (a programação do evento está em www.flip.org.br).


Texto Anterior: Cecilia Giannetti: Considere este post
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.