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Brasília esconde coleção de obras raras de Goethe
Acervo com mais de 6.000 volumes é mantido em ambiente inapropriado
Não há acesso público aos livros, cuja maioria foi editada entre 1780 e 1860; falta climatização e sistema anti-incêndio
LUCAS FERRAZ
DE BRASÍLIA
Em um lugar que faria tremer bibliófilos, uma sala inapropriada e sem acesso público escondida em Brasília,
repousa um tesouro. Trata-se
de uma rara coleção, talvez a
mais importante e completa
da América Latina, de obras
de e sobre Johann Wolfgang
Goethe (1749-1832).
O conjunto de livros,
6.000 volumes ligados ao
maior nome da literatura alemã, foi comprado pelo governo brasileiro há quase 40
anos e, desde então, foi pouco ou nada pesquisado.
Análise recente feita por
um especialista a pedido do
governo alemão atesta que
seu estado de conservação é
"sofrível". Documentos manuseados pela reportagem,
elaborados há quase 30
anos, já relatavam o descaso
com a obra.
Repletos de mofo e empilhados de forma desorganizada em uma sala da biblioteca do Ministério da Justiça,
os 4.183 títulos da coleção jamais foram tratados.
Os livros, mantidos em
ambiente sem climatização e
sistemas apropriados contra
roubo e incêndio, não estão
disponíveis para consulta,
segundo a própria responsável pelo acervo.
Autor de obras-primas como "Fausto", Goethe também enveredou por temas
díspares como botânica, mineralogia e direito. Suspeita-se que haja na coleção trabalhos sobre essas áreas.
Pouco se sabe sobre os livros -Ministério da Justiça,
Instituto Goethe e embaixada alemã em Brasília não
souberam responder.
"IMPRESSIONANTE"
O adido cultural da Alemanha, Holger Klitzing, conheceu o acervo, que ele considera "impressionante", após
análise feita em 2006 pelo
professor Willi Bolle, da USP
(Universidade de São Paulo).
"É possivelmente a mais
importante biblioteca goethiana na América Latina. Há
uma série de edições originais e de capricho estético especial", disse Bolle.
Marcus Mazzari, professor
de teoria literária da USP e
membro da Associação Goethe do Brasil, diz desconhecer outro acervo tão completo no país.
A maior parte da coleção é
formada por livros em alemão gótico seiscentista, além
do contemporâneo, e ainda
em inglês, francês, italiano,
espanhol e português.
Há obras do final do século
17, algumas artesanais e ilustradas a ouro. A maioria, editada entre 1780 e 1860.
"A direção da biblioteca
admitiu que as condições para a conservação não eram
ideais", relatou Bolle.
Em nota, o Ministério da
Justiça contradiz a versão da
chefe da biblioteca e afirma
que os livros, disponíveis ao
público, são submetidos a
"técnicas de conservação" e
estão em "local adequado".
GERMANÓFILO
A coleção goethiana foi organizada pelo médico e professor carioca Fernando Rodrigues da Silveira, morto em
1970. Germanófilo, ele adquiriu parte dos livros diretamente na Alemanha.
Após a morte de Silveira,
sua filha pôs a coleção à venda. A livreira Margarete Cardoso, 69, que atua com obras
raras desde 1960, participou
da negociação, em 1971, feita
pela livraria Kosmus, no Rio.
"O então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, frequentava a livraria e gostou muito
dos livros", conta Margarete.
O ministério pagou pelos
mais de 6.000 volumes Cr$
80.000, valor que hoje equivaleria a quase R$ 70 mil -o
preço real, estimam livreiros,
seria muito maior.
Segundo documento interno do ministério, a coleção
está subutilizada pelo menos
desde 1981. O governo, agora, afirma que vai restaurar
tudo até o final de 2011 -talvez fazendo justiça à frase de
Goethe: "Também os livros
têm sua vivência, que não
lhes pode ser subtraída".
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