São Paulo, Sábado, 26 de Junho de 1999
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Tutti Frutti, a estréia que não houve


Reaparece disco que seria o 1º de Rita Lee após a saída dos Mutantes e foi vetado pela gravadora


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

No dia de dezembro de 1973 em que Rita Lee e Tim Maia souberam que seus novos projetos na Philips haviam sido vetados pela gravadora, se uniram para quebrar a sala do então presidente, o francês André Midani -depois propulsor do rock brasileiro dos 80 e hoje presidente da Warner para a América Latina, sitiado em Miami (EUA).
"Tim e eu havíamos gravado discos inteiros, e Midani simplesmente os vetou. Nós dois estávamos na sala de espera trocando figurinhas quando Midani chegou. Tim deu um pé na porta, e eu entrei junto para a quebração. Foi um clássico de desacato à "otoridade'", lembra Rita, 51, 26 anos mais tarde.
Quanto a Tim Maia, as pistas são escassas -ele saiu da gravadora e virou Tim Maia Racional, e não se sabe se esse tal disco de fato existe ou existiu. Mas o de Rita, que seria o primeiro com o Tutti Frutti, sua nova banda após a saída dos Mutantes, existe e está intacto.
Foi redescoberto pelo jornalista Marcelo Fróes durante pesquisa no arquivo da Universal (Philips, na época) para produção da caixa "Ensaio Geral", de Gilberto Gil. Ele advoga o lançamento tardio: "Seu valor histórico é inegável, é o primeiro LP verdadeiramente solo de Rita, um ano antes de "Atrás do Porto Tem uma Cidade'".
Segundo Fróes, a MPB possui acervo volumoso de material obscuro e inexplorado. "Todo mundo tem gravações inéditas. Na Sony, me surpreendeu a quantidade de tapes de Roberto Carlos guardados. São centenas, talvez milhares de tapes acumulados desde 1962."
O suposto disco inédito de Tim Maia, ele diz não ter visto. "Não há tape de material inédito na Universal, apenas os rascunhos dos discos originais", diz Fróes.
A Folha teve acesso a uma cópia do disco do Tutti Frutti (leia texto à direita), mas o paradeiro do original, o "master", é um mistério. Foi, como grande parte dos produtos do começo dos 70, gravado no estúdio paulistano Eldorado (que já não existe mais), então o único da América Latina com 16 canais.
Hoje gravadora e distribuidora, a Eldorado afirma que não tem nenhum "master" -os de "Expresso 2222" (72), de Gil, estão entre os sumidos. "Eu não estava aqui na época, mas sei que não ficou nenhum "master". Era apenas um estúdio, tudo que era gravado aqui era enviado às gravadoras", afirma o diretor João Lara Mesquita.
Sumiços à parte, por que a estréia do Tutti Frutti foi abortada? "Lembro que Midani impediu o lançamento porque achou mal gravado. A intenção dele era me transformar em uma cantora pop na marra, ele odiava a formação original do Tutti Frutti", diz Rita Lee.
Gravado em ambiente conturbado, "Atrás do Porto Tem uma Cidade" (74) substituiu o disco que não houve, sob produção de Mazzola, que o descreve como o disco mais difícil que já produziu.
"Foi minha primeira produção. Acho que fui imposto por Midani, eu não podia dizer que não. Os músicos eram excelentes, mas muito jovens, e eu não estava conseguindo o resultado apurado que queria. A gente brigou, coloquei outros músicos, botei cordas que Rita não queria. Foi total inexperiência minha e dela", afirma.
Os dois discos, o que houve e o que não houve, foram gestados na primeira temporada de shows do Tutti Frutti, em 73, sob direção do homem de teatro Antonio Bivar.
"Havia muito frescor e muito vigor naquilo tudo. Fora Rita, eram todos adolescentes de 17 anos. Esse disco deve sair, sim", opina Bivar.
"Gravamos numa "nice pra xuxu", liberdade total, com a mesma formação de banda e mesmo repertório daquela temporada nos porões do Ruth Escobar. Juro que estávamos afiadíssimos", diz Rita, hoje favorável ao lançamento.
"Midani tentou o tempo todo puxar a sardinha para me botar de cantora solo e, diante das nossas recusas quanto a botar (a co-vocalista) Lucia Turnbull na geladeira, acabou baixando a cabeça. Moral da história: "Esse disco está "un merde", não vou deixar sair"."
"Com um toma-lá-dá-cá, ficou decidido que Emilson, o baterista de 17 anos, seria substituído pelo sambista Mamão, de maneira bem grossa, aliás, em troca de Lucinha dividir comigo as vocais." A Folha tenta há um mês ouvir Midani sobre o assunto, sem sucesso.
"Fomos impedidos de participar da mixagem do "Atrás do Porto", e botaram uma orquestrona cafona. Lucinha e eu estávamos fazendo supermercado quando ouvimos "Menino Bonito" no falante. Achamos que era Nalva Aguiar."
A vocalista, guitarrista e violonista Lucia Turnbull, 46, com quem pouco antes Rita tentara formar a dupla Cilibrinas do Éden e que hoje trabalha com publicidade, evoca o passado:
"Gravamos num auditório com palco, cheio de amigos, como se fosse ao vivo. Acho excelente esse disco voltar, ele tem uma inocência legal, é uma coisa muito pura."
Ela explica sua saída do grupo, após "Atrás do Porto Tem uma Cidade" e antes do estouro com "Fruto Proibido" (75): "A gravadora queria que ela ficasse mais à frente. A coisa das duas mulheres era esquisita para eles. Houve uma hora em que ou ela ficava comigo ou com gravadora e empresária. Foi muita pressão nela, e eu saí".
O guitarrista Luiz Carlini, 46, que completava o grupo com Emilson e o baixista Lee Marcucci (o único que ainda trabalha com Rita e ainda mantém o Tutti Frutti, com outros membros), define o som perdido: "Quando nos conhecemos, ouvíamos Stones, mas o trabalho tem uma pitada de rock progressivo, de Yes. Não tinha um formato comercial, a gente desconhecia essas coisas. Tenho uma cópia guardada comigo, sou a favor do lançamento. A obra tem que andar".
O produtor Pena Schmidt, que trabalhou com a banda à época e guarda tapes inéditos gravados em shows do Tutti Frutti, reflete sobre o caldo em que os primeiros trabalhos foram fermentados:
"O "quadrado mágico" -Chico, Caetano, Gil e Milton- havia parado de trabalhar. Quem queria produzir na marra mergulhou na música pura, e aí aconteceu o rock dos anos 70. Foi a ressaca do AI-5, sexo, drogas e rock'n'roll. Quer saber? Piramos todos". Ainda há maluco escondido dentro do armário.


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