São Paulo, sexta-feira, 26 de julho de 2002

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CINEMA/ESTRÉIAS

"A COR DO PARAÍSO"

Obra representa um retrocesso na produção do país

Com austeridade, iraniano dá vazão aos sentidos

CRÍTICO DA FOLHA

Já em "Filhos do Paraíso", o diretor Majdi Majidi tendia um pouco menos para o anedótico e um pouco mais para o sentimental do que parecia permitir o tom habitual do novo cinema iraniano. A indicação ao Oscar de filme estrangeiro caía-lhe como uma luva.
Em "A Cor do Paraíso", o sentimentalismo potencial da situação de que parte o cineasta chega a lembrar o velho cinema comercial iraniano. Mas, se o sentimentalismo permanece potencial é porque Majidi demonstra, mais uma vez, ter tirado suas lições do sucesso internacional da escola que hoje podemos denominar de "neo-realismo iraniano", pilotada por Kiarostami, Makhmalbaf e discípulos (ex-assistentes) como Jafar Panahi e Bahman Ghobadi.
É em momentos assim, em que se revela capaz de disciplinar, por um método de filmagem de austero realismo, diretores com nítidas tendências comerciais como Majidi e histórias de índole melodramática, que a escola iraniana prova a sua força. Em "A Cor", essa austeridade do método impede que o filme, a história de uma criança cega enjeitada pelo pai e protegida pela avó religiosa, descambe para o sentimentalismo.
Em vez de reforçar a dramaticidade da situação de que parte, Majidi prefere deixar a trilha sonora e o perfil psicológico dos personagens de lado para dar vazão aos sentidos, forjando um "filme de percepção" ao requentar a proposição que Makhmalbaf lançou em "O Silêncio": tomar uma criança cega para realizar uma obra de signos sonoros.
Houve uma época em que uma geração do cinema iraniano foi condenada a realizar filmes pedagógicos. Fazer filmes com crianças era uma forma de fugir da censura. Nos anos 90, com o abrandamento do regime islâmico, uma outra geração pôde fazer da criança a personagem ideal de uma nova percepção de mundo que nascia. No "espírito da infância", com signos óticos e sonoros puros, essa geração encontrou, a exemplo dos neo-realistas italianos, manancial para a criação de uma nova cinematografia.
Majidi retoma a perceptividade para usá-la como um recurso poético. Ele é mais bem-sucedido quando se detém na relação tátil do protagonista com a natureza, filmando as mãos da criança, como fizera na única passagem memorável de "Filhos do Paraíso".
"A Cor do Paraíso" representa um retrocesso da cinematografia iraniana não apenas por retomar o mote da percepção infantil numa fase em que o cinema iraniano, passando da percepção à ação, começa a eleger a mulher como sua nova protagonista ideal, heroína desprivilegiada de um país semidemocratizado.
O retrocesso do filme está em seu fundo religioso e na consequente visão moralista em que o cineasta, contradizendo suas próprias opções metodológicas, acaba por encerrar as personagens. (TIAGO MATA MACHADO)


A Cor do Paraíso
Rang-e-khoda   
Direção: Majdi Majidi
Produção: Irã, 1999
Com: Hossein Mahjub, Salame Feizi
Quando: a partir de hoje no Top Cine



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