São Paulo, quarta-feira, 26 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O rei do neopop

O controvertido artista americano Jeff Koons rejeita rótulo de kitsch

À Folha, Koons afirma que dá "continuidade subjetiva à arte do século 20"


LUCRÉCIA ZAPPI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK

A lista de exposições do artista norte-americano Jeff Koons, nascido em York, na Filadélfia, é longa. Depois de deixar um emprego em Wall Street, nos anos 80, para se dedicar à arte, ele percorreu os melhores museus do mundo, como o Ludwig, em Colônia, e o MoMA, em Nova York, e participou da Bienal de Veneza, em 1997.
Uma de suas mostras mais quentes foi uma retrospectiva, em 1992, no Stedelijk, em Amsterdam, quando exibiu uma escultura de Michael Jackson abraçado à Pantera Cor-de-Rosa -além de abraços mais picantes dele com sua ex-mulher, a ex-deputada e estrela pornô Ilona Staller, a Cicciolina.
Há três anos Koons não pega no pincel. Os modelos de seus quadros saem diretamente do computador, idéia que pode parecer estranha para quem imagina que uma pintura nasce da maturação em um ateliê. Mas no estúdio de Koons, 50, que se define como um "neopop" e rejeita a idéia de que seu trabalho seja kitsch, não há tempo para cigarro entre obra e artista. Segundo ele, todo o processo intelectual vem antes e, quando a idéia passa para a tela, não há mais o que mudar. Em ano de boa safra, como deve ser 2006, ele termina seis peças.
O estúdio de 1.000 m2 fica na rua 29 em Nova York, no Chelsea. Ao todo são 70 assistentes. Três ou quatro deles trabalham ao mesmo tempo em cada quadro, de cerca de 3 m x 3 m.
Koons fala empolgado dos novos projetos. Cita o "Building Blocks", torre de aço inoxidável de mais de dez metros, nos moldes do "Puppy", o cachorro gigante coberto de flores. Outra idéia é um trem suspenso na vertical, com as rodas em movimento a 112km/h. Conversador de voz serena, Koons falou à Folha sobre arte, moral, sexo e poder.

 

FOLHA - O que levou você a fazer "Puppy", o enorme cachorro forrado de flores?
JEFF KOONS -
Quis fazer uma peça que lidasse com vários aspectos de poder, espirituais e físicos. Com "Puppy", lido com a relação de poder sobre a natureza e sua perda: algumas plantas dominam o território na horizontal, outras se levantam. Por outro lado, há um aspecto tremendo de controle quando faço a escolha das plantas e de suas cores. E quando você abandona a peça, quem toma conta dele é a natureza. Há o inevitável processo de florescimento e morte. E falo também sobre o controle social e dos atos pessoais. Gosto de acreditar que minha obra é sobre valores humanos e como as pessoas se tratam.

FOLHA - Sua arte é moralista?
KOONS -
Acho que é moralista no sentido de eu crer que as pessoas podem vivenciar uma transcendência em suas vidas e que elas podem dividir essa experiência. Há um aspecto de conexão. Gosto de ligar fatos da humanidade que aconteceram no passado com o futuro e também com o que se passa culturalmente nos dias hoje. Essa é minha melhor habilidade.

FOLHA - Você ainda acredita em arte erótica?
KOONS -
Sim, e muito. Posso produzir uma canção de amor doce ou caótica, mais do meu tipo, com polaridades que expressam a totalidade da vida. Se você não tem polaridades, a vida tem só uma dimensão.

FOLHA - Produzir suas peças exige assistentes e materiais caros. Como seria se tudo isso acabasse? Você acha que ainda poderia fazer arte?
KOONS -
Sempre fui auto-suficiente. Para manter minha arte não dava para ter um trabalho como pintor de parede. Estava trabalhando no Museu de Arte Moderna, no balcão de informação. Percebi que ninguém tentava vender assinaturas para o museu. Para espantar o tédio comecei a vender os cartões e dobrei o número de vendas do museu. Então um cara me perguntou se eu não queria trabalhar em Wall Street. Eu tinha 21 anos e, em 1980, comecei a trabalhar meio período para ter mais tempo para produzir arte. Todos os dias me belisco de amanhã e me sinto muito grato por tudo o que consegui.

FOLHA - Sua obra é política?
KOONS -
É. A partir da obra sempre achei que poderia deixar as pessoas mais poderosas, mais seguras consigo mesmas. Tento fazer arte para quem vê, não importa a origem da pessoa. Arte pode ser algo que desestabiliza a pessoa, fazendo-a sentir-se insegura com a própria história cultural. É por isso que eu não trabalho com kitsch, eu não acredito em kitsch.

FOLHA - Mas suas peças são muitas vezes apontadas como o sumo do kitsch. Como você se sente?
KOONS -
Dizer que algo é kitsch é fazer um julgamento das coisas menos refinadas, cuja qualidade foi declinada por motivos diversos. Não estou interessado em julgamentos.

FOLHA - Como você definiria sua obra?
KOONS -
Eu diria que é neopop. É uma continuidade subjetiva da arte do século 20.

FOLHA - Você sente necessidade de produzir peças sobre essa época controversa da política americana?
KOONS -
Há um modo de ser político sem ter que ser tão direto. Reduzir a arte a temas políticos específicos não me interessa. Acho que politicamente minha obra é muito mais ampla. Baseia-se no amor e como um indivíduo é tratado. Apresenta meus valores sobre a interação humana, a interação moral do dia-a-dia e o quanto você pode crescer interiormente sendo generoso.
Quando era criança eu desenhava, o que me dava um senso de controle do mundo tridimensional. E junto a isso vinha a ansiedade de controlar as coisas. Percebi que não conhecia bem a arte. Sabia como controlar a técnica. Fui a museus, mas via as coisas de um jeito superficial. É muito importante para mim me comunicar com quem vê a obra, no sentido de auto-aceitação. Na jornada da arte, é isso o que importa, a aceitação.


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.