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O rei do neopop
O controvertido artista americano Jeff Koons rejeita rótulo de kitsch
À Folha, Koons afirma que dá "continuidade subjetiva à arte do século 20"
LUCRÉCIA ZAPPI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE NOVA YORK
A lista de exposições do artista norte-americano Jeff Koons,
nascido em York, na Filadélfia,
é longa. Depois de deixar um
emprego em Wall Street, nos
anos 80, para se dedicar à arte,
ele percorreu os melhores museus do mundo, como o Ludwig, em Colônia, e o MoMA, em
Nova York, e participou da Bienal de Veneza, em 1997.
Uma de suas mostras mais
quentes foi uma retrospectiva,
em 1992, no Stedelijk, em Amsterdam, quando exibiu uma escultura de Michael Jackson
abraçado à Pantera Cor-de-Rosa -além de abraços mais picantes dele com sua ex-mulher,
a ex-deputada e estrela pornô
Ilona Staller, a Cicciolina.
Há três anos Koons não pega
no pincel. Os modelos de seus
quadros saem diretamente do
computador, idéia que pode parecer estranha para quem imagina que uma pintura nasce da
maturação em um ateliê. Mas
no estúdio de Koons, 50, que se
define como um "neopop" e rejeita a idéia de que seu trabalho
seja kitsch, não há tempo para
cigarro entre obra e artista. Segundo ele, todo o processo intelectual vem antes e, quando a
idéia passa para a tela, não há
mais o que mudar. Em ano de
boa safra, como deve ser 2006,
ele termina seis peças.
O estúdio de 1.000 m2 fica na
rua 29 em Nova York, no Chelsea. Ao todo são 70 assistentes.
Três ou quatro deles trabalham
ao mesmo tempo em cada quadro, de cerca de 3 m x 3 m.
Koons fala empolgado dos
novos projetos. Cita o "Building Blocks", torre de aço inoxidável de mais de dez metros,
nos moldes do "Puppy", o cachorro gigante coberto de flores. Outra idéia é um trem suspenso na vertical, com as rodas
em movimento a 112km/h.
Conversador de voz serena,
Koons falou à Folha sobre arte,
moral, sexo e poder.
FOLHA - O que levou você a fazer
"Puppy", o enorme cachorro forrado
de flores?
JEFF KOONS - Quis fazer uma peça que lidasse com vários aspectos de poder, espirituais e físicos. Com "Puppy", lido com a
relação de poder sobre a natureza e sua perda: algumas plantas dominam o território na horizontal, outras se levantam.
Por outro lado, há um aspecto
tremendo de controle quando
faço a escolha das plantas e de
suas cores. E quando você
abandona a peça, quem toma
conta dele é a natureza. Há o
inevitável processo de florescimento e morte. E falo também
sobre o controle social e dos
atos pessoais. Gosto de acreditar que minha obra é sobre valores humanos e como as pessoas se tratam.
FOLHA - Sua arte é moralista?
KOONS - Acho que é moralista
no sentido de eu crer que as
pessoas podem vivenciar uma
transcendência em suas vidas e
que elas podem dividir essa experiência. Há um aspecto de
conexão. Gosto de ligar fatos da
humanidade que aconteceram
no passado com o futuro e também com o que se passa culturalmente nos dias hoje. Essa é
minha melhor habilidade.
FOLHA - Você ainda acredita em arte erótica?
KOONS - Sim, e muito. Posso
produzir uma canção de amor
doce ou caótica, mais do meu tipo, com polaridades que expressam a totalidade da vida. Se
você não tem polaridades, a vida tem só uma dimensão.
FOLHA - Produzir suas peças exige
assistentes e materiais caros. Como
seria se tudo isso acabasse? Você
acha que ainda poderia fazer arte?
KOONS - Sempre fui auto-suficiente. Para manter minha arte
não dava para ter um trabalho
como pintor de parede. Estava
trabalhando no Museu de Arte
Moderna, no balcão de informação. Percebi que ninguém
tentava vender assinaturas para o museu. Para espantar o tédio comecei a vender os cartões
e dobrei o número de vendas do
museu. Então um cara me perguntou se eu não queria trabalhar em Wall Street. Eu tinha 21
anos e, em 1980, comecei a trabalhar meio período para ter
mais tempo para produzir arte.
Todos os dias me belisco de
amanhã e me sinto muito grato
por tudo o que consegui.
FOLHA - Sua obra é política?
KOONS - É. A partir da obra
sempre achei que poderia deixar as pessoas mais poderosas,
mais seguras consigo mesmas.
Tento fazer arte para quem vê,
não importa a origem da pessoa. Arte pode ser algo que desestabiliza a pessoa, fazendo-a
sentir-se insegura com a própria história cultural. É por isso
que eu não trabalho com kitsch,
eu não acredito em kitsch.
FOLHA - Mas suas peças são muitas
vezes apontadas como o sumo do
kitsch. Como você se sente?
KOONS - Dizer que algo é kitsch
é fazer um julgamento das coisas menos refinadas, cuja qualidade foi declinada por motivos
diversos. Não estou interessado em julgamentos.
FOLHA - Como você definiria sua
obra?
KOONS - Eu diria que é neopop.
É uma continuidade subjetiva
da arte do século 20.
FOLHA - Você sente necessidade de
produzir peças sobre essa época
controversa da política americana?
KOONS - Há um modo de ser
político sem ter que ser tão direto. Reduzir a arte a temas políticos específicos não me interessa. Acho que politicamente
minha obra é muito mais ampla. Baseia-se no amor e como
um indivíduo é tratado. Apresenta meus valores sobre a interação humana, a interação
moral do dia-a-dia e o quanto
você pode crescer interiormente sendo generoso.
Quando era criança eu desenhava, o que me dava um senso
de controle do mundo tridimensional. E junto a isso vinha
a ansiedade de controlar as coisas. Percebi que não conhecia
bem a arte. Sabia como controlar a técnica. Fui a museus, mas
via as coisas de um jeito superficial. É muito importante para
mim me comunicar com quem
vê a obra, no sentido de auto-aceitação. Na jornada da arte, é
isso o que importa, a aceitação.
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