São Paulo, sábado, 26 de julho de 2008

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Crítica/ "A Dançarina de Izu" e "Beleza e Tristeza"

Estréia de Kawabata exalta o pudor

Primeiro livro de Yasunari Kawabata, Prêmio Nobel de 1968, ganha tradução direta do japonês; último livro é relançando

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Com "A Dançarina de Izu", prossegue a série de traduções, realizadas diretamente do japonês, que a editora Estação Liberdade vem publicando das obras de Yasunari Kawabata (1899-1972), Prêmio Nobel de Literatura de 1968. Trata-se de uma novela escrita em 1925, época em que o escritor experimentava o domínio das narrativas brevíssimas, coligidas mais tarde nos seus "Contos da Palma da Mão" (ed. Estação Liberdade). Mas se os "Contos da Palma da Mão" por vezes parecem algo incipientes e concisos além da conta, os leitores que admiraram a extrema beleza literária de "Viagem ao País das Neves" e da "Casa das Belas Adormecidas" não se decepcionarão com "A Dançarina de Izu". Apesar de ter sido o livro de estréia do autor, já é um texto de arte consumada. Uma viagem a pé pelas montanhas, partindo de Tóquio no rumo da península de Izu, ocupa o jovem protagonista da história, no qual se podem reconhecer traços autobiográficos de Kawabata. No caminho, ele encontra uma pequena trupe de atores ambulantes, da qual faz parte uma linda dançarina de 13 anos. Entre ambos vai surgindo algo que seria vulgar demais chamar apenas de paixão. Passam-se poucos dias, e o desejo de aproximação se vê desde o início tingido de fugacidade e distanciamento. A extrema juventude dos protagonistas intensifica-lhes a timidez, e mesmo o próprio desconhecimento das reações que sentem um pelo outro. Predomina no livro o espírito, sem dúvida muito japonês, de apreciar a beleza e a poesia que existem no sentimento do pudor. Nada se harmoniza tanto com essa dimensão psicológica, na qual não cabe nenhum moralismo ou rigidez, que o constante recurso às anotações, muito leves, acerca da passagem do tempo e dos caprichos da paisagem. Como tantas vezes em Kawabata, são as estações termais, fora de temporada, envoltas na neve ou nas luzes do outono, que servem de cenário à história.

"Beleza e Tristeza"
Pode-se encontrar o mesmo senso de nuance no primeiro capítulo de "Beleza e Tristeza", no qual se narra a viagem de um velho escritor, Oki Toshio, até a cidade de Kyoto, para ouvir os sinos que tradicionalmente celebram o final do ano. Lá ele irá encontrar a ex-amante, a quem havia abandonado décadas antes. O diálogo entre os dois, delicado e discreto, vai sendo traçado contra o pano de fundo das belas paisagens que Kawabata é mestre em descrever. Mas neste romance relativamente longo, o último escrito por Kawabata, sente-se algum cansaço na exposição do enredo, como se o autor tivesse de "despachar", sem muitas sugestões, o relato do que se passa entre os personagens. Dada a complicação dos relacionamentos (um polígono amoroso do qual participam o escritor, sua mulher, seu filho, sua ex-amante e a companheira desta última), perde-se um bocado daquela capacidade para o não-dito, para a melancolia que nos toca quase como uma brisa, que faz de "A Dançarina de Izu" uma obra-prima. É um motivo a mais de interesse o fato de que "Beleza e Tristeza" (em reedição, trazido ao português a partir da tradução inglesa de Howard Hibbett) e "A Dançarina de Izu" tenham um lançamento praticamente simultâneo. Tratando também da sedução de uma adolescente, o último romance de Kawabata religa-se autobiograficamente ao seu primeiro livro; a resignação diante da passagem do tempo, observada quase como um fato estético, é sem dúvida um encanto, e uma sabedoria, presente de uma ponta a outra na obra desse grande escritor.

A DANÇARINA DE IZU
Autor: Yasunari Kawabata
Tradução: Carlos Hiroshi Usirono
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 29 (104 págs.)
Avaliação: ótimo

BELEZA E TRISTEZA
Autor: Yasunari Kawabata
Tradução: Howard S. Hibbett e Alberto
Alexandre Martins Editora: Globo
Quanto: R$ 36 (292 págs.)
Avaliação: bom



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