São Paulo, sábado, 26 de julho de 2008

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Crítica/"Cordélia Brasil"

Maria Padilha e Gawronski revitalizam texto de Bivar

Texto dos anos 60 não choca mais ninguém, mas atrai pela poética ingenuidade

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

E ncenada para espantar o burguês naquele ano agridoce de 1968, do AI-5 e do "Álbum Branco" dos Beatles, a peça "Cordélia Brasil" consagrou seu autor, Antonio Bivar, em um sucesso de escândalo e de insolente afirmação de uma geração nova de dramaturgos brasileiros. Proibida pela censura ainda nos ensaios, junto a "Barrela" de Plínio Marcos, e "Santidade", de José Vicente, a peça só conseguiu estrear no teatro Mesbla graças à mobilização dos intelectuais que assistiram a uma leitura clandestina no apartamento de Danuza Leão. Primeira direção de Emílio di Biasi, que subiria ao palco na chegada da peça ao Teatro de Arena, e protagonizada pela corajosa musa Norma Bengell, que atraía uma platéia atônita, a montagem ganhou todos os prêmios da época, foi qualificada pelo crítico Yan Michalski, do "Jornal do Brasil", como "uma das mais poéticas contribuições para a antologia de nosso florescente tropicalismo", e, 20 anos depois, o texto já era apontado por outro importante crítico, Sábato Magaldi, como "um clássico do moderno repertório brasileiro".

Distanciamento
Quarenta anos depois, Cordélia renasceu no recente Festival Internacional de Rio Preto, por iniciativa de Maria Padilha e com direção de Gilberto Gawronski. Décadas de distanciamento lhe fizeram bem. Já não choca mais ninguém, com sua protagonista que sustenta o patético parceiro Leônidas -mantido criança no ócio e na ilusão de fama- trabalhando como prostituta iniciadora de menores como Rico, que acaba vindo também compartilhar o apartamento deles. A peça atrai agora justamente por sua poética ingenuidade, seu fluxo descabelado e psicodélico, como se fosse uma história em quadrinhos de Robert Crumb. Ultrapassada enquanto vanguarda, sua unidade de tempo e lugar faz com que soe como uma comédia de costumes, e Gawronski acerta ao acentuar o que ela tem de mais datado. Cenografia (Luis Henrique Sá), figurino (Marcelo Pies) e trilha (Berna Ceppas) remetem ao colorido da época, e a disposição em arena torna a platéia cúmplice, chegando a ser convocada a promover um singelo efeito especial, com bolinhas de sabão.

Padilha na fogueira
Jogando-se assim na fogueira, a exemplo de Norma Bengell, Maria Padilha vence o desafio. Apesar de algumas inseguranças de dicção, passa bem pela prova do palco alternativo, com o apoio do carismático Cadu Fávero e do garoto prodígio George Sauma, que tem segurança de veterano. Revitalizada, esta Cordélia do século 21 ganha sobretudo uma sutileza inesperada. Em vez do escracho extrovertido a que parece, inevitavelmente, remeter, a direção conseguiu extrair do texto uma solidão secreta, um heroísmo patético e auto-indulgente, que tenta mascarar um beco sem saída de falsas soluções mágicas. Expulso de casa por um pretexto infantil, Leônidas parece lamentar não ter tido um casamento de verdade: é o porta-voz de uma geração que nunca conseguiu amadurecer, que agora é resgatada com generosidade pela geração seguinte.

CORDÉLIA BRASIL
Quando: sex. a dom., às 20h30; até 7/8
Onde: Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, tel. 0/xx/11/3179-3700)
Quanto: R$ 5 a R$ 20
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: bom



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