São Paulo, sábado, 26 de julho de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANTONIO CICERO

A política de confronto


O problema não é a política do governador do Rio, mas a ausência de uma política nacional


NO CORRENTE MÊS , algumas ações desastrosas da Polícia Militar do Rio de Janeiro resultaram nas mortes de inocentes. A indignação provocada por essas mortes ocasionou um grande número de artigos e declarações que puseram em questão a política de confronto com o crime organizado, adotada pelo governador Sérgio Cabral.
A indignação é plenamente justificada. É inadmissível que a polícia atire contra um automóvel, como no caso que resultou na morte do menino João Roberto, movida pela mera presunção de que esteja ocupado por bandidos. Quem age assim jamais deveria ser policial.
E aqui chegamos à fórmula que conhecemos de cor. O trabalho dos policiais é de alto risco, eles não contam com acompanhamento psicológico, são mal preparados e treinados e recebem baixos salários, o que muitas vezes os obriga a fazerem "bicos". Que admira que sejam altamente estressados?
Além disso -o que é ainda pior-, não só no Rio de Janeiro, mas praticamente no Brasil inteiro, a cultura corporativa tradicional da polícia parece desprezar o próprio conceito de direitos humanos.
Nessas condições, seria de estranhar que não ocorressem mortes de inocentes e violações dos direitos humanos. E o fato é que elas sempre ocorreram e continuarão a ocorrer, enquanto esse quadro não for radicalmente transformado, não só no Rio, mas no Brasil inteiro.
Sendo assim, parece-me que o verdadeiro problema não é a política de confronto do governador Sérgio Cabral, mas a ausência de uma política nacional de segurança que faça jus à gravidade da situação.
Não digo isso para negar que a situação do Rio seja mais dramática do que a do Brasil como um todo. Entretanto, a verdade é que o que a torna mais dramática não é a política de confronto, mas a intensidade e a extensão que aqui possui o crime organizado, contra o qual essa política se delineia.
Lamentavelmente, já nos acostumamos a ver, quase todos os dias, imagens de "soldados do tráfico", a guardar, com metralhadoras, escopetas e bazucas, as cada vez mais numerosas e extensas áreas da cidade controladas pelo crime organizado. Numa área dessas ninguém entra, a menos que tenha obtido um salvo-conduto, emitido pelo comando local da organização criminosa que a controla.
Ainda esta semana, alguns candidatos a prefeito foram impedidos, pela ponta do fuzil, de fazer comícios em diferentes localidades.
Como é possível não ver que os habitantes de tais localidades, vivendo sob a tirania de forças de ocupação compostas de facínoras inescrupulosos, são destituídos de qualquer garantia constitucional ou direito humano? Ou ignorar que essas forças são capazes não apenas de tolher o direito de ir e vir das populações que controlam, mas de expulsar o morador do seu domicílio, de recrutar ou subornar os filhos dele para o crime e de torturar ou executar com requintes de crueldade aqueles que infringem os códigos que arbitrariamente decretam?
Nenhum governante tem o direito de aceitar passivamente tal limitação do império da lei e da democracia. Sejamos claros: enquanto não forem liberadas e reintegradas ao território nacional todas as áreas ocupadas por forças ilegais, enquanto nelas não se fizer valer o Estado de Direito, não há como, com boa consciência, escapar do confronto. Em princípio, portanto, a política de confronto do governador Sérgio Cabral é não apenas perfeitamente legítima, mas louvável.
O que se pode questionar é a eficácia última de tal política, se conduzida apenas em âmbito estadual. Já mencionei o despreparo, em todos os níveis, da polícia.
Ora, para que a política de confronto tenha eficácia e não se torne insuportável, do ponto de vista de custos humanos, seria necessário, segundo alguns dos maiores especialistas em segurança pública, reformar radicalmente a estrutura policial de todo o país, subordinar toda a polícia a um comando central nacional, dotá-la de sofisticados serviços de inteligência e preparar, em todos os níveis, os seus quadros.
Evidentemente, nada disso poderia ser feito senão pelo governo federal, que teria, antes de tudo, que se empenhar politicamente em tal projeto.
A rigor, portanto, a política do confronto deveria ser emulada pelo governo federal: com o que não faria mais do que cumprir a sua obrigação constitucional.
Infelizmente, nada indica que ele esteja disposto a reconhecer semelhante responsabilidade.


Texto Anterior: Resumo das novelas
Próximo Texto: Música: Morre o saxofonista de jazz Johnny griffin, 80
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.