São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

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ENTREVISTA COM WERNER HERZOG

O selvagem

O cineasta Werner Herzog lança diários dos anos em que filmou na Amazô nia e fala das paixões pela escrita e pelo Brasil

Divulgação
Herzog, que publica "Conquest of the Useless" (a conquista do inútil)

FERNANDA EZABELLA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LOS ANGELES

Werner Herzog, 66, mora a dez minutos de carro da calçada da fama de Hollywood, embora seu nome não esteja lá e ele faça questão de se esconder da vida social da cidade.
O cineasta alemão, autor de "Aguirre - A Cólera dos Deuses" (1972) e "O Homem Urso" (2005), passa parte do ano viajando por lugares remotos, onde filmou os últimos trabalhos.
E lançou um livro em inglês, "Conquest of the Useless" (Ecco Press, 320 págs., US$ 25, importado), no qual reúne diários dos dois turbulentos anos em que fez "Fitzcarraldo" (1982) na selva amazônica.
Uma caixa de livros a serem autografados está no canto da sala de sua casa aparentemente modesta, no pacato bairro de Laurel Canyon, em Los Angeles. Um gato circula pelo ambiente, enquanto o diretor conversa num quintal com a reportagem da Folha sobre sua paixão pela escrita -"acho que meus textos são melhores do que meus filmes"- e pelo Brasil -"Garrincha é o maior de todos os meus heróis".
Ao final da entrevista, Herzog dá uma carona para a reportagem até a famosa Mulholland Drive. Entre risadas, conta como foi ignorado por décadas pela "Cahiers du Cinéma" até recentemente, quando a revista francesa resolveu entrevistá-lo e desculpar-se pela omissão. "O repórter estava sem graça, mas eu não podia imaginar coisa melhor!" Leia a seguir trechos da entrevista:

 

FOLHA - Logo no início dos diários, o senhor sente que será caótico fazer o filme. Por quê?
WERNER HERZOG
- Minhas finanças eram muito limitadas. E eu tinha que construir dois navios idênticos, mas em Iquitos [Peru] não havia infraestrutura para isso [...] Ou seja, fiquei sem dinheiro muito cedo. Mas houve muitos outros motivos. Construi um acampamento para 1.100 pessoas no meio da selva que foi atacado e incendiado. Depois, tive dois acidentes de avião. Tudo o que você imaginar... Foi um trabalho duro.

FOLHA - E a pergunta inevitável... faria tudo de novo?
HERZOG
- Certamente sim. A mesma pergunta me foi feita quando mandamos todos os negativos do filme para um laboratório em Munique e tudo desapareceu. E, por uma questão de acionar o seguro, me perguntaram se eu teria coragem de filmar tudo de novo [...] Levamos uma semana para achá-los, em Manila, nas Filipinas.

FOLHA - O senhor disse que ficou 20 anos sem ler os diários por ser algo doloroso. Tinha a mesma relação com o filme?
HERZOG
- Não. Alguma coisa me mantinha longe do livro. Mas eu gosto do livro, acho que minha escrita é melhor do que meus filmes. O livro viverá mais do que o filme.

FOLHA - Por quê?
HERZOG
- O texto tem mais substância. Minha prosa é melhor do que meus filmes. Não é um relatório. É poesia. Em outras palavras, minha poesia irá durar mais do que meus filmes.

FOLHA - O senhor está escrevendo outros livros?
HERZOG
- Irei para a Índia por dez dias, em agosto, para ouvir uma história. Mas não sei se irei escrever algo. Vou escutar um homem, não posso dizer quem é.

FOLHA - Em seus filmes e no livro, aparecem alguns brasileiros. Lembra-se de como os conheceu?
HERZOG
- Não, foi quase quatro décadas atrás. Mas eu era bem próximo de Glauber Rocha, Carlos Diegues, Grande Otelo e José Lewgoy. A gente via os filmes uns dos outros toda vez que eu estava no Rio, eu ficava na casa do Ruy Guerra.

FOLHA - E sobre Glauber Rocha?
HERZOG
- Eu o conheci em Berkeley (EUA), quando ele morava na casa de Tom Luddy [organizador do Telluride Film Festival]. Sempre que eu ia para a região de San Francisco, ficava na casa de Luddy [em meados dos anos 70]. E, no quarto ao lado do meu, estava Glauber, sempre caótico [risos]. Era maravilhoso conversar com ele. Às vezes, às 3h da manhã, ele vinha bater na minha porta com uma ideia maluca. E eu, ainda meio sonolento, ficava ouvindo.
Conversávamos sobre cinema, mulheres, sobre a vida.

FOLHA - Quais filmes o senhor viu no Brasil?
HERZOG
- A coisa mais surpreendente para mim foi ver "O Enigma de Kaspar Hauser" em São Paulo. Você vê, os franceses sempre falam de "Aguirre". E todo mundo em São Paulo só falava de "Kasper Hauser". Até os taxistas! E quando você conversa com alguém no Brasil, sempre pegam na sua mão, te abraçam. Carlos Diegues sempre me dizia: "Venha pro Brasil, as mulheres são maravilhosas", e nós nos abraçávamos, suados.
No Brasil, é tudo tátil, pele e, então, de repente, os brasileiros pareciam apaixonados pelo filme mais calmo e profundo que eu já fiz. O Brasil é sempre uma surpresa para mim.

FOLHA- O senhor tem ideia de quantas vezes já esteve no Brasil?
HERZOG
- Não, eu perco a noção do tempo. Para você ter uma ideia, nem sei que dia da semana é hoje. Mas posso dar uma resposta decente: eu nunca fiquei tempo suficiente no Brasil. Eu realmente gostaria de ficar mais tempo no Nordeste.
Lá é onde o meu coração está. Não tanto o Rio de Janeiro ou a Amazônia. É o Nordeste. É a poesia do Nordeste.

FOLHA - E alguns de seus projetos futuros se passam no Nordeste?
HERZOG
- Não. Mas, se eu tivesse um, iria imediatamente para lá fazê-lo.

FOLHA - Das passagens pelo Brasil, lembra-se dos jogos de futebol?
HERZOG
- Claro. Sempre que vou ao Brasil, a primeira coisa que eu tento fazer é ver um jogo de futebol [...] É uma alegria enorme estar com brasileiros no estádio, cantando com eles.

FOLHA- Por que essa alegria toda?
HERZOG
- Porque é a alegria do povo. E a maior de todas as alegrias era o Garrincha. Ele é o maior de todos os meus heróis. O Brasil foi abençoado em ter um homem como Garrincha.

FOLHA - Conseguiu vê-lo jogar?
HERZOG
- Acho que o vi jogar uma vez, em Munique, quando eu era muito jovem [...]. Há outros grandes jogadores, como Pelé, o maior de todos eles, mas Garrincha é coração, é poesia. E quando eu falo do Garrincha, do meu amor por ele, é da mesma forma que eu amo o Brasil, simples assim.


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