São Paulo, domingo, 26 de julho de 2009

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Análise

Para diretor, ato de filmar é como uma busca pessoal

MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL

Werner Herzog não enxerga o cinema como produto estético ou comercial. Tem uma visão quase metafísica do ato de filmar, como se fosse uma busca pessoal. Por isso os longas de sua extensa filmografia são de difícil definição. Muitos deles, especialmente os primeiros, vão de experiências formais a viagens esotéricas, de especulações psíquicas a jornadas espirituais, de reflexões filosóficas a pesquisas etnográficas.
Por isso Herzog também sempre filmou como um viajante, reproduzindo o ideal romântico do jovem que sai em busca do mundo. Já filmou na Europa, na África, na América Latina e nos Estados Unidos.
"Aguirre - A Cólera dos Deuses" (1972), que narra saga do conquistador espanhol Pizarro, inaugurou a parceria com o mercurial ator Klaus Kinski. Mas foi em "Fitzcarraldo" (1982) que a dupla atingiu o ponto alto. Para retratar o sonho do aventureiro que deseja construir uma ópera na Amazônia, Herzog fez centenas de índios arrastarem um barco de 160 toneladas montanha acima e ameaçou Kinski de morte, se abandonasse as filmagens.
Outro ponto alto da dupla foi "Nosferatu, o Vampiro da Noite" (1979), uma refilmagem do clássico expressionista de W. F. Murnau. Quem assistir ao documentário "Meu Melhor Inimigo" (1999), de Herzog, vai ter uma visão privilegiada de seu processo criativo e testemunhará o encontro desses dois gênios delirantes, excêntricos e complementares.
Mas Kinski não é o único "louco iluminado" retratado por Herzog. Para "O Enigma de Kaspar Hauser" (1974), utilizou um ator amador que passou parte da juventude em instituições mentais. O longa mostrava um "selvagem" encontrado após passar a vida trancado num porão. Herzog questionava o conceito de civilização.
Sua trajetória é repleta de episódios estranhos. Foi preso e espancado com a equipe durante filmagens na África, escapou de dois acidentes de avião e levou um tiro durante uma entrevista. "Um cineasta é um leão domesticado após acidentes e coincidências que testemunha", disse certa vez.
Mas o diretor não filma acidentes, seus filmes "são" os acidentes. Suas experiências pessoais lembram as ousadias formais do artista plástico alemão Joseph Beuys, que fazia performances trancado com um coiote. Ainda assim, ou talvez por isso mesmo, Herzog é um documentarista de mão cheia. Nenhum cineasta americano conseguiria reproduzir a morte de um ambientalista extremado e misantropo como ele fez em "O Homem Urso" (2005).
Na década de 70, a famosa crítica alemã Lotte Eisner apontava Herzog como o nome mais talentoso de sua geração. Quando soube que ela estava à beira da morte, Herzog partiu de Munique a pé para encontrá-la em Paris. Caminhou quase mil quilômetros com uma bússola, um par de botas e uma bolsa. A peregrinação durou três semanas e foi narrada no livro "Caminhando no Gelo" (Paz e Terra). Assim é Herzog.


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