|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Análise
Para diretor, ato de filmar é como uma busca pessoal
MARCOS STRECKER
DA REPORTAGEM LOCAL
Werner Herzog não
enxerga o cinema
como produto estético ou comercial. Tem uma visão quase metafísica do ato de
filmar, como se fosse uma busca pessoal. Por isso os longas de
sua extensa filmografia são de
difícil definição. Muitos deles,
especialmente os primeiros,
vão de experiências formais a
viagens esotéricas, de especulações psíquicas a jornadas espirituais, de reflexões filosóficas
a pesquisas etnográficas.
Por isso Herzog também
sempre filmou como um viajante, reproduzindo o ideal romântico do jovem que sai em
busca do mundo. Já filmou na
Europa, na África, na América
Latina e nos Estados Unidos.
"Aguirre - A Cólera dos Deuses" (1972), que narra saga do
conquistador espanhol Pizarro,
inaugurou a parceria com o
mercurial ator Klaus Kinski.
Mas foi em "Fitzcarraldo"
(1982) que a dupla atingiu o
ponto alto. Para retratar o sonho do aventureiro que deseja
construir uma ópera na Amazônia, Herzog fez centenas de
índios arrastarem um barco de
160 toneladas montanha acima
e ameaçou Kinski de morte, se
abandonasse as filmagens.
Outro ponto alto da dupla foi
"Nosferatu, o Vampiro da Noite" (1979), uma refilmagem do
clássico expressionista de W. F.
Murnau. Quem assistir ao documentário "Meu Melhor Inimigo" (1999), de Herzog, vai ter
uma visão privilegiada de seu
processo criativo e testemunhará o encontro desses dois
gênios delirantes, excêntricos e
complementares.
Mas Kinski não é o único
"louco iluminado" retratado
por Herzog. Para "O Enigma de
Kaspar Hauser" (1974), utilizou um ator amador que passou parte da juventude em instituições mentais. O longa mostrava um "selvagem" encontrado após passar a vida trancado
num porão. Herzog questionava o conceito de civilização.
Sua trajetória é repleta de
episódios estranhos. Foi preso
e espancado com a equipe durante filmagens na África, escapou de dois acidentes de avião e
levou um tiro durante uma entrevista. "Um cineasta é um
leão domesticado após acidentes e coincidências que testemunha", disse certa vez.
Mas o diretor não filma acidentes, seus filmes "são" os acidentes. Suas experiências pessoais lembram as ousadias formais do artista plástico alemão
Joseph Beuys, que fazia performances trancado com um coiote. Ainda assim, ou talvez por
isso mesmo, Herzog é um documentarista de mão cheia. Nenhum cineasta americano conseguiria reproduzir a morte de
um ambientalista extremado e
misantropo como ele fez em "O
Homem Urso" (2005).
Na década de 70, a famosa
crítica alemã Lotte Eisner
apontava Herzog como o nome
mais talentoso de sua geração.
Quando soube que ela estava à
beira da morte, Herzog partiu
de Munique a pé para encontrá-la em Paris. Caminhou quase mil quilômetros com uma
bússola, um par de botas e uma
bolsa. A peregrinação durou
três semanas e foi narrada no
livro "Caminhando no Gelo"
(Paz e Terra). Assim é Herzog.
Texto Anterior: "Minha profissão é ver o que outros não veriam" Próximo Texto: Médico viaja para levar mil picadas Índice
|