São Paulo, sexta-feira, 26 de agosto de 2005

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CINEMA

Cineasta prepara outros filmes sobre a realidade argentina; "La Dignidad de los Nadie" será exibido em Veneza

Solanas faz panfleto sobre crise argentina

Divulgação
Criança argentina desnutrida, em cena do filme "Memória do Saqueio", do diretor Fernando Solanas, que estréia hoje em São Paulo


SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Cabelos brancos revoltos, ar sério, Fernando Solanas, 69, sentado no café de um cinema paulistano, fala e gesticula efusivamente. Não parece um cineasta renomado dando uma entrevista a uma jornalista brasileira. Lembra mais um pertinaz pregador, obstinado a me convencer, por meio de números e de um monte de frases de efeito, de algo que considera absurdo, trágico e evidente e que, entretanto, só ele parece ter percebido: que a Argentina foi saqueada, e que o ladrão é o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999).
Esse é o tema de "Memória do Saqueio" (2004), filme que narra, em tom de documentário-panfleto, os fatos que levaram ao chamado "estallido", quando, em dezembro de 2001, a população argentina, insatisfeita com a grave crise político-econômica, foi às ruas e levou o então presidente Fernando De La Rúa a renunciar.
Leia trechos da entrevista que Solanas concedeu à Folha, na última segunda-feira, em São Paulo.
 

Folha - Acha possível comparar os efeitos da ditadura militar argentina (1976-1983) à década Menem?
Fernando Solanas -
São dois momentos distintos. A ditadura foi mais simples, no sentido de que todos podiam identificar um mesmo inimigo. Mas o número de vítimas causadas pela ditadura foi menor do que um ano de modelo neoliberal na Argentina.

Folha - Por que você decidiu usar o termo "genocídio social"?
Solanas -
Porque as cifras oficiais mostram que mais de 100 mil pessoas morreram como conseqüência da aplicação das políticas econômicas do FMI. Impuseram à Argentina a idéia de modelo único. E fizeram com que todos acreditassem que não havia um caminho alternativo. O trágico é que a maior parte de nossas forças progressistas também acreditaram nisso e executaram as políticas neoliberais. Foi uma traição.

Folha - Por que?
Solanas -
Porque os políticos não agiram de acordo com o que esperavam deles os seus eleitores. O voto é um contrato político-social. Vota-se num candidato porque ele se compromete com o eleitor a levar adiante determinadas medidas. É inadmissível que não seja o mais grave de todos os delitos de um político o de afastar-se do contrato do voto.

Folha - Você acha que pode comparar a situação da Argentina em 2001 com a crise no Brasil hoje?
Solanas -
Não quero opinar sobre a crise brasileira. O que sei é que o Brasil tem a força política de esquerda mais forte da América Latina. Com recursos éticos, morais e políticos para corrigir seus erros. Não sei quem cairá. Mas, caia quem cair, o PT continua sendo a expressão de um grande movimento de massas que, impregnado de idéias socialistas e democráticas, é a esperança de toda a América Latina. Não há construção democrática da América Latina sem o triunfo dessa força.

Folha - Menem é bastante demonizado no filme. Você inclusive o compara a Facundo Quiroga, histórico caudilho também nascido em La Rioja. Acha que Menem usou os mesmos recursos que Facundo?
Solanas -
Sim, Menem se disfarçou de Facundo, que foi um caudilho que construiu sua popularidade em uma Província pobre e distante por contestar a política da oligarquia de Buenos Aires.
Apoiar Facundo era associar-se a um símbolo da resistência antiimperialista. Menem quis fazer o mesmo. É um amoral. Ninguém destruiu mais a Argentina do que ele. Não sei porque não está preso.

Folha - Em que você está trabalhando neste momento?
Solanas -
Em outros filmes sobre a realidade argentina. O primeiro irá para o Festival de Veneza e se chama "La Dignidad de los Nadie". São relatos de heróis populares, um filme mais humano. O outro é "Argentina Latente", sobre as potencialidades argentinas e o último, "La Tierra Sublevada", tratará da questão da terra.


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