São Paulo, sexta-feira, 26 de agosto de 2005

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"CASA VAZIA"

Clichês orienta listas de Kim Ki-duk redund am no vazio

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Em polêmica entrevista ao site da BBC para o Brasil, o diretor do Festival de Veneza, Marco Muller, queixou-se dos filmes brasileiros apresentados à comissão deste ano: seriam "brasileiros demais", incompreensíveis para o comitê. "Eles precisam entender melhor o cinema brasileiro, mas os diretores brasileiros também devem pensar mais na possibilidade de exportar seus filmes."
Ainda que pareça uma desculpa para explicar a recusa, a posição de Muller reflete a lógica que rege a composição atual dos grandes festivais, cada vez mais voltados para produções exportáveis. Ao sobrevalorizá-las, tais comitês acabam contribuindo para gerar mitos e elevar cineastas medianos à condição de grandes autores.
É o caso do coreano Kim Ki-duk, descoberto por Veneza em 2000 com o badalado "A Ilha". Aos 44 anos ele coleciona láureas como a de melhor diretor em Berlim, por "Samaria", e também em Veneza, por "Casa Vazia", também eleito o melhor filme da temporada de festivais pela Federação Internacional de Críticos.
Não é difícil compreender por que o cinema de Kim Ki-duk tem tamanha aceitação na lógica "internacionalista". Como ficou claro em "Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera", que fez sucesso no circuito de arte brasileiro, seus filmes são hábeis na exploração de clichês do orientalismo, ligados à filosofia budista e às artes marciais. Esses clichês são exercitados graças a uma certa habilidade narrativa para contar histórias que se pretendem perturbadoras, marcadas pela economia no uso de palavras.
Mas o tão elogiado uso do silêncio pelo diretor é visivelmente "domesticado" a ponto de não ser capaz de causar qualquer estranhamento. De certa forma, ele é um silêncio "gritado", na medida que se impõe como elemento artístico para sublinhar traumas psicológicos dos personagens ou momentos que almejam a elevação espiritual. São utilizações que nada têm a ver com os silêncios concretos dos filmes de Tsai Ming-liang ou de Antonioni.

Duas partes
Em "Casa Vazia", um jovem que invade casas temporariamente vazias encontra uma mulher que é vítima de abusos do marido. O filme é dividido em duas partes. Na primeira, ela passa a acompanhá-lo nas invasões, quando eles criam forte cumplicidade sem trocar palavras. Na segunda, ele é confundido com um assassino, vai preso, e, na cadeia, desenvolve a habilidade de se tornar "invisível". Basicamente, o que faz é brincar de "sombra" com os guardas, o que lhe permite fugir (!) e voltar a invadir casas, agora sem ser percebido.
As duas questões principais de "Casa Vazia" (o invisível e o silêncio) já foram exploradas de formas infinitamente mais ricas.
E mesmo a relativa competência de Kim Ki-duk para enquadrar e contar uma história com poucos elementos não chega a tirar de sua obra a qualidade de "filme vazio".


Casa Vazia
Bin Jip
 
Direção: Kim Ki-duk
Produção: Coréia do Sul/Japão, 2004
Com: Jae Hee e Lee Seung- Yeon
Quando: a partir de hoje no cine Reserva Cultural e circuito


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