|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"CASA VAZIA"
Clichês orienta listas de Kim Ki-duk redund am no vazio
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Em polêmica entrevista ao
site da BBC para o Brasil, o diretor do Festival de Veneza, Marco Muller, queixou-se dos filmes
brasileiros apresentados à comissão deste ano: seriam "brasileiros
demais", incompreensíveis para o
comitê. "Eles precisam entender
melhor o cinema brasileiro, mas
os diretores brasileiros também
devem pensar mais na possibilidade de exportar seus filmes."
Ainda que pareça uma desculpa
para explicar a recusa, a posição
de Muller reflete a lógica que rege
a composição atual dos grandes
festivais, cada vez mais voltados
para produções exportáveis. Ao
sobrevalorizá-las, tais comitês
acabam contribuindo para gerar
mitos e elevar cineastas medianos
à condição de grandes autores.
É o caso do coreano Kim Ki-duk, descoberto por Veneza em
2000 com o badalado "A Ilha".
Aos 44 anos ele coleciona láureas
como a de melhor diretor em Berlim, por "Samaria", e também em
Veneza, por "Casa Vazia", também eleito o melhor filme da temporada de festivais pela Federação
Internacional de Críticos.
Não é difícil compreender por
que o cinema de Kim Ki-duk tem
tamanha aceitação na lógica "internacionalista". Como ficou claro em "Primavera, Verão, Outono, Inverno e... Primavera", que
fez sucesso no circuito de arte brasileiro, seus filmes são hábeis na
exploração de clichês do orientalismo, ligados à filosofia budista e
às artes marciais. Esses clichês são
exercitados graças a uma certa habilidade narrativa para contar histórias que se pretendem perturbadoras, marcadas pela economia
no uso de palavras.
Mas o tão elogiado uso do silêncio pelo diretor é visivelmente
"domesticado" a ponto de não ser
capaz de causar qualquer estranhamento. De certa forma, ele é
um silêncio "gritado", na medida
que se impõe como elemento artístico para sublinhar traumas
psicológicos dos personagens ou
momentos que almejam a elevação espiritual. São utilizações que
nada têm a ver com os silêncios
concretos dos filmes de Tsai
Ming-liang ou de Antonioni.
Duas partes
Em "Casa Vazia", um jovem
que invade casas temporariamente vazias encontra uma mulher
que é vítima de abusos do marido.
O filme é dividido em duas partes.
Na primeira, ela passa a acompanhá-lo nas invasões, quando eles
criam forte cumplicidade sem
trocar palavras. Na segunda, ele é
confundido com um assassino,
vai preso, e, na cadeia, desenvolve
a habilidade de se tornar "invisível". Basicamente, o que faz é
brincar de "sombra" com os
guardas, o que lhe permite fugir
(!) e voltar a invadir casas, agora
sem ser percebido.
As duas questões principais de
"Casa Vazia" (o invisível e o silêncio) já foram exploradas de formas infinitamente mais ricas.
E mesmo a relativa competência de Kim Ki-duk para enquadrar e contar uma história com
poucos elementos não chega a tirar de sua obra a qualidade de "filme vazio".
Casa Vazia
Bin Jip
Direção: Kim Ki-duk
Produção: Coréia do Sul/Japão, 2004
Com: Jae Hee e Lee Seung- Yeon
Quando: a partir de hoje no cine Reserva Cultural e circuito
Texto Anterior: Crítica: Diretor desiste do próprio estilo de fazer cinema Próximo Texto: "Procura-se um Amor - Que Goste de Cachorros": Tradicionalismo da comédia romântica une navegantes Índice
|