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Crítica/biografia
Perfil mostra gênese da Folha moderna
BORIS FAUSTO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Vou chamá-lo simplesmente de Frias, para
assinalar, de saída, um
de seus méritos. Numa terra
em que "doutor" é muitas vezes
marca de duvidosa superioridade social e não de conhecimento, Frias se recusa a ser
chamado pelo título de que não
é portador.
Esse e outros traços de sua
sobriedade estão bem evidenciados no livro do jornalista
Engel Paschoal, "A Trajetória
de Octavio Frias de Oliveira",
que, como o autor indica, não é
uma biografia exaustiva, mas
um perfil. E dos mais interessantes, por várias razões. Por
valorizar a carreira de Frias em
seu conjunto, para além de uma
simples identificação da pessoa
com a empresa Folha da Manhã; por escrever com o estilo
leve do bom jornalista; e, principalmente, por não confundir
perfil positivo com bajulação.
Os depoimentos contribuem
para realçar esta última qualidade, destacando-se as observações dos filhos de Frias
-Luís e Otavio-, que fogem ao
padrão convencional. Ambos
profundos admiradores do pai,
assinalam o peso da responsabilidade que cedo caiu sobre
seus ombros, e Otavio fala com
franqueza dos defeitos paternos, entre outros, "o pragmatismo exagerado e o fato de ser
"esganado" por tudo, comida,
(.....), vida e até sexo".
De passagem, noto que há
um erro no texto, provavelmente de digitação, quando se
menciona a data de 15 de novembro para a eclosão da rebelião comunista de 1935, ocorrida, em vários pontos do país,
entre 25 e 27 de novembro.
Passando ao perfil, a trajetória da família Oliveira é em si
mesma um exemplo da mobilidade social ascendente e também descendente da sociedade
brasileira. No Império, os ancestrais de Frias eram gente rica, nobilitada pelo imperador
Pedro 2º. Quando seu pai nasceu, a riqueza já não era a mesma, tanto que Luiz Torres de
Oliveira optou pela carreira de
juiz de direito.
Nascido em agosto de 1912,
Frias conheceu desde cedo as
dificuldades de uma família
tradicional em declínio e o impacto afetivo provocado pela
morte prematura da mãe. No
São Luiz, colégio da elite paulista em que estudou, era um menino pobre aos olhos dos colegas, compensando a inferioridade social com as façanhas no
futebol. Dessa sensação de inferioridade brotou um objetivo
supremo, acima de qualquer
outro. Como ele diz, sem subterfúgios, "ganhar dinheiro foi
o compromisso que eu assumi
comigo mesmo".
Antes de encontrar os caminhos para ganhar dinheiro,
Frias foi funcionário da Secretaria da Fazenda, cujo diretor-geral era Américo Portugal
Gouvêa, um excelente administrador público. Enquanto funcionário, participou da Revolução de 1932, que pinta com tintas burlescas, revelando sua
simpatia pelo getulismo, em
contraste com a família Mesquita, proprietária de "O Estado de S. Paulo".
A possibilidade de ingresso
no mundo dos negócios surgiu
quando se associou com Orozimbo Roxo Loureiro, na fundação do Banco Nacional Imobiliário, por volta de 1947. O
BNI construiu edifícios sob a
forma pioneira de condomínio
a preço de custo, mas acabou
quebrando num momento em
que Frias dele se afastara. Mantivera, porém, seu nome na diretoria, o que lhe valeu muitas
dores de cabeça.
Oportunidade
Novo e maior salto de Frias
representou a associação com
Carlos Caldeira Filho, instalando a estação rodoviária da praça Júlio Prestes -empresa rendosa, fonte também, ao mesmo
tempo, de problemas. A compra da empresa Folha da Manhã pelos dois sócios, das mãos
de José Nabantino Ramos,
ocorreu em agosto de 1962,
quando o jornal "Folha de
S.Paulo" tinha nome, mas perdia dinheiro. Caldeira saiu da
empresa em 1992, quando
Frias adquiriu a totalidade do
controle acionário.
A partir de 1962, a história de
Frias, do ponto de vista de sua
inserção na vida pública, tem
estrita relação com a história
da empresa e, principalmente,
da Folha, que alcançou grande
projeção no país. Como outros
órgãos da grande imprensa, a
Folha apoiou o golpe militar de
1964 e, como quase todos os outros, se redimiu do erro de acreditar num movimento de "purificação da democracia", que desembocou numa ditadura de
cerca de 20 anos.
O início da abertura política,
em meados do anos 70, deu ao
jornal uma oportunidade bem
aproveitada. Pelas mãos sobretudo dos quadros jovens da Folha, abriu-se um canal de contato com professores universitários e gente de diferentes setores da sociedade, que passaram a escrever principalmente
na seção Tendências/Debates
(página 3), criada em junho de
1976. A seção foi idéia do então
diretor de Redação do jornal, o
infatigável Claudio Abramo,
sendo endossada por Frias.
Não só o jornal ganhou com isso. Ganharam também alguns
intelectuais, entre os quais me
permito incluir, que aprenderam a evitar o jargão acadêmico
e a dar recados sucintos, cortando floreios desnecessários.
No livro de Engel Paschoal,
fica evidente a emulação entre
a Folha e "O Estado de S. Paulo" ao longo dos anos. Não obstante, esses dois grandes jornais têm um meritório ponto
comum: o de valorizar a independência da empresa jornalística e seu papel formador da
opinião pública. No caso da Folha, essa virtude, que permitiu
transformar o jornal em uma
verdadeira instituição, deve
muito à orientação de Frias, pela tenacidade, pela inclinação
ao pluralismo, pela disposição
em ouvir, pelo equilíbrio dos
editoriais em que está impressa
sua marca.
BORIS FAUSTO é historiador e preside o conselho acadêmico do Gacint (Grupo de Conjuntura
Internacional), da USP. É autor, entre outros, de
"A Revolução de 1930" (Companhia das Letras).
A TRAJETÓRIA DE OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA
Autor: Engel Paschoal
Editora: Mega Brasil
Quanto: R$ 44 (332 págs.)
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