São Paulo, sábado, 26 de agosto de 2006

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Crítica/biografia

Perfil mostra gênese da Folha moderna

BORIS FAUSTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vou chamá-lo simplesmente de Frias, para assinalar, de saída, um de seus méritos. Numa terra em que "doutor" é muitas vezes marca de duvidosa superioridade social e não de conhecimento, Frias se recusa a ser chamado pelo título de que não é portador.
Esse e outros traços de sua sobriedade estão bem evidenciados no livro do jornalista Engel Paschoal, "A Trajetória de Octavio Frias de Oliveira", que, como o autor indica, não é uma biografia exaustiva, mas um perfil. E dos mais interessantes, por várias razões. Por valorizar a carreira de Frias em seu conjunto, para além de uma simples identificação da pessoa com a empresa Folha da Manhã; por escrever com o estilo leve do bom jornalista; e, principalmente, por não confundir perfil positivo com bajulação.
Os depoimentos contribuem para realçar esta última qualidade, destacando-se as observações dos filhos de Frias -Luís e Otavio-, que fogem ao padrão convencional. Ambos profundos admiradores do pai, assinalam o peso da responsabilidade que cedo caiu sobre seus ombros, e Otavio fala com franqueza dos defeitos paternos, entre outros, "o pragmatismo exagerado e o fato de ser "esganado" por tudo, comida, (.....), vida e até sexo".
De passagem, noto que há um erro no texto, provavelmente de digitação, quando se menciona a data de 15 de novembro para a eclosão da rebelião comunista de 1935, ocorrida, em vários pontos do país, entre 25 e 27 de novembro. Passando ao perfil, a trajetória da família Oliveira é em si mesma um exemplo da mobilidade social ascendente e também descendente da sociedade brasileira. No Império, os ancestrais de Frias eram gente rica, nobilitada pelo imperador Pedro 2º. Quando seu pai nasceu, a riqueza já não era a mesma, tanto que Luiz Torres de Oliveira optou pela carreira de juiz de direito.
Nascido em agosto de 1912, Frias conheceu desde cedo as dificuldades de uma família tradicional em declínio e o impacto afetivo provocado pela morte prematura da mãe. No São Luiz, colégio da elite paulista em que estudou, era um menino pobre aos olhos dos colegas, compensando a inferioridade social com as façanhas no futebol. Dessa sensação de inferioridade brotou um objetivo supremo, acima de qualquer outro. Como ele diz, sem subterfúgios, "ganhar dinheiro foi o compromisso que eu assumi comigo mesmo".
Antes de encontrar os caminhos para ganhar dinheiro, Frias foi funcionário da Secretaria da Fazenda, cujo diretor-geral era Américo Portugal Gouvêa, um excelente administrador público. Enquanto funcionário, participou da Revolução de 1932, que pinta com tintas burlescas, revelando sua simpatia pelo getulismo, em contraste com a família Mesquita, proprietária de "O Estado de S. Paulo".
A possibilidade de ingresso no mundo dos negócios surgiu quando se associou com Orozimbo Roxo Loureiro, na fundação do Banco Nacional Imobiliário, por volta de 1947. O BNI construiu edifícios sob a forma pioneira de condomínio a preço de custo, mas acabou quebrando num momento em que Frias dele se afastara. Mantivera, porém, seu nome na diretoria, o que lhe valeu muitas dores de cabeça.

Oportunidade
Novo e maior salto de Frias representou a associação com Carlos Caldeira Filho, instalando a estação rodoviária da praça Júlio Prestes -empresa rendosa, fonte também, ao mesmo tempo, de problemas. A compra da empresa Folha da Manhã pelos dois sócios, das mãos de José Nabantino Ramos, ocorreu em agosto de 1962, quando o jornal "Folha de S.Paulo" tinha nome, mas perdia dinheiro. Caldeira saiu da empresa em 1992, quando Frias adquiriu a totalidade do controle acionário.
A partir de 1962, a história de Frias, do ponto de vista de sua inserção na vida pública, tem estrita relação com a história da empresa e, principalmente, da Folha, que alcançou grande projeção no país. Como outros órgãos da grande imprensa, a Folha apoiou o golpe militar de 1964 e, como quase todos os outros, se redimiu do erro de acreditar num movimento de "purificação da democracia", que desembocou numa ditadura de cerca de 20 anos.
O início da abertura política, em meados do anos 70, deu ao jornal uma oportunidade bem aproveitada. Pelas mãos sobretudo dos quadros jovens da Folha, abriu-se um canal de contato com professores universitários e gente de diferentes setores da sociedade, que passaram a escrever principalmente na seção Tendências/Debates (página 3), criada em junho de 1976. A seção foi idéia do então diretor de Redação do jornal, o infatigável Claudio Abramo, sendo endossada por Frias.
Não só o jornal ganhou com isso. Ganharam também alguns intelectuais, entre os quais me permito incluir, que aprenderam a evitar o jargão acadêmico e a dar recados sucintos, cortando floreios desnecessários. No livro de Engel Paschoal, fica evidente a emulação entre a Folha e "O Estado de S. Paulo" ao longo dos anos. Não obstante, esses dois grandes jornais têm um meritório ponto comum: o de valorizar a independência da empresa jornalística e seu papel formador da opinião pública. No caso da Folha, essa virtude, que permitiu transformar o jornal em uma verdadeira instituição, deve muito à orientação de Frias, pela tenacidade, pela inclinação ao pluralismo, pela disposição em ouvir, pelo equilíbrio dos editoriais em que está impressa sua marca.


BORIS FAUSTO é historiador e preside o conselho acadêmico do Gacint (Grupo de Conjuntura Internacional), da USP. É autor, entre outros, de "A Revolução de 1930" (Companhia das Letras).

A TRAJETÓRIA DE OCTAVIO FRIAS DE OLIVEIRA
Autor:
Engel Paschoal
Editora: Mega Brasil
Quanto: R$ 44 (332 págs.)


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