São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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BIA ABRAMO

O paraíso dos torpes


Com altos e baixos, "Paraíso Tropical" é a melhor telenovela dos últimos tempos

A NOVELA que começa a acabar vai entrar no ritmo de "quem matou" e, com isso, se ganha em suspense, perde um pouco da graça. Mesmo com altos e baixos, "Paraíso Tropical" é, certamente, a melhor -e talvez última- grande telenovela dos últimos tempos.
Se é verdade que Gilberto Braga sempre se caracterizou por uma novela mais próxima da matriz literária, atualizando o melodrama e o romance realista do século 19 para outro meio e outros tempos, também deve ser exato afirmar que ele -ou Ricardo Linhares, ou ambos- aprendeu muito sobre ritmo e velocidade com as séries norte-americanas. A novela combinou a agilidade na condução da trama característica da teledramaturgia praticada pelas sitcoms com o desenho caprichado dos personagens e a vivacidade para criar e flagrar um entorno social com alguma credibilidade.
"Celebridade", a novela anterior de Braga para o horário da oito, ainda patinou muito no que diz respeito ao ritmo. Em "Paraíso Tropical", em todos os sentidos muito mais bem acabada que sua antecessora, parece que a lição foi aprendida -e isso (quase) sem apelar para os recursos mais rasteiros para manter a atenção do espectador.
Agora, "Paraíso Tropical" também inaugura (ou radicaliza) um problema para a teledramaturgia: é possível ainda sustentar o conflito entre herói(s) e vilão(ões)? Não apenas por causa de uma certa incompetência de criar heróis e heroínas que não passem o tempo todo a afirmar suas qualidades intrínsecas e, de fato, façam algo além de se defender da perfídia dos vilões.
Mas talvez a crise do esquema esteja no fato de os vilões não serem mais pérfidos -ou de um autor inteligente como Braga ser incapaz de escrever um personagem simplesmente ruim por natureza. A torpeza dos vilões de "Paraíso" ultrapassa as explicações psicológicas de praxe. É a afirmação de um estilo de vida, de escolhas conscientes, pragmáticas e, de certa forma, coerentes num mundo de pernas para o ar -mas uma afirmação que se faz para si mesma, sem proselitismo às avessas.
Assim, Braga-Linhares não cria apenas vilões que são simpáticos e charmosos (embora o sejam), mas que, antes de tudo, nos parecem reivindicar uma possibilidade legítima, se não no sentido moral, pelo menos no existencial. E aí, como torcer?
Como torcer contra o amor sexy e doce de Bebel e Olavo? Como querer que a dignidade de Marion, professora de como se comportar bem na torpeza, seja ferida? Como querer que Jáder, cafetão violento, não possa proteger a filha recém-descoberta de outro cafetão? E, por fim, pela mesma régua, como crer no novo Antenor?


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