São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 2008

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

Debate quente, cabeça fria


A moda do aquecimento global foi adotada por órfãos do marxismo. O verde é o novo vermelho

NÃO EXISTE coisa mais perigosa no mundo que um homem inteligente munido de uma máquina de escrever. Lembrei essa eterna verdade com livro recente, pequeno e luminoso de Nigel Lawson, ex-ministro inglês e diretor da revista "The Spectator". O livro se chama "An Appeal to Reason: A Cool Look at Global Warming" (um apelo à razão: um olhar frio ao aquecimento global, Duckworth, 149 págs.) e é um milagre a sua publicação. Lawson procurou várias editoras e a resposta era sempre a mesma: questionar o aquecimento global? Isso não é apenas crime; é heresia.
Como explicar essa atitude irracional que é a pura negação do espírito científico? Lawson explica: porque o aquecimento global não é uma questão racional; é uma questão de fé, exatamente como outras questões "científicas" que assombraram a Humanidade nas últimas décadas. Nos anos 60, foi o pesadelo malthusiano de um mundo sobrepovoado e faminto; na década de 70, foi a possibilidade de uma nova era glacial perante a descida acentuada das temperaturas; agora, é um mundo que aquece, glaciares que derretem e águas que sobem, uma espécie de secularização das pragas bíblicas para punição dos excessos "capitalistas". A moda do aquecimento global foi sobretudo adotada por órfãos do marxismo, que substituíram uma religião secular por outra. Hoje, o verde é o novo vermelho.
Lawson desmonta alguns mitos sem nunca cair no extremo oposto. Sim, o mundo aqueceu 0,5C a partir de 1975. Exatamente como sucedeu entre 1920-1940, com uma subida de 0,4C. Razões da subida?
A resposta automática das patrulhas aponta para um aumento de emissões de dióxido de carbono, em crescendo desde a Revolução Industrial. Infelizmente, a resposta é débil. Primeiro, porque não é possível avaliar a real contribuição do homem para essas concentrações de CO2 na atmosfera (a natureza é responsável pela maior parcela de emissões). E, depois, porque a subida da temperatura não foi uniforme no século 20: entre 1940-1975, registou-se um arrefecimento de 0,2ºC. Cientistas vários explicam o arrefecimento com a emissão de sulfatos em aerossóis nesse período, prática que entrou em declínio depois de 1975, quando o planeta voltou a aquecer. Mas, se assim é, como explicar o aquecimento anterior a 1940, quando os sulfatos continuavam a ser usados?
Hipótese levantada por Lawson: existem variações naturais de temperatura que não podem ser explicadas pela ação humana. Na Idade Média, houve um acentuado aquecimento a partir do século 11; entre os séculos 17 e 18, registou-se uma pequena idade glacial com descida considerável dos termômetros. O homem medieval e o fidalgo da corte não usavam desodorante.
A conclusão é imediata: sabemos pouco sobre os "comportamentos" do clima; e essa ignorância não deve legitimar a construção de cenários, ou de políticas, futuristas. É possível que a temperatura aumente nos próximos anos, apesar de ter estabilizado desde os inícios do século presente. Mas, se essa possibilidade se verificar, é necessário lembrar que o aquecimento não traz apenas custos; também transporta benefícios, sobretudo nas regiões mais frias. Lawson exemplifica: o Departamento de Saúde do Reino Unido estima que o aquecimento global provocará anualmente 2.000 mortes devido ao calor; mas Lawson relembra que o mesmo Departamento estima igualmente que 20 mil vidas serão salvas do frio.
Que fazer, então? Os conselhos de Lawson são pura prudência. Em primeiro lugar, é preciso abandonar a pretensão de um acordo global (tipo Kyoto) que assenta em premissas questionáveis e jamais será assinado por potências emergentes, como China e Índia. E, se os EUA são os maus da fita, Lawson relembra que as emissões de CO2 têm aumentado mais no Canadá e na Europa, que assinaram o tratado, do que na maléfica América, que o recusou.
Por último, Lawson termina com uma nota de otimismo: a história do homem é a história da técnica; da forma como os seres humanos foram se adaptando às exigências do tempo e do meio. É precisamente essa capacidade de adaptação que permitirá às gerações futuras lidar com os desafios (climatéricos e não só) sem que isso signifique um sacrifício das gerações presentes. O combate à fome, à doença, à proliferação nuclear e ao terrorismo internacional são causas mais prementes, e mais reais, para os humanistas de hoje. Deixemos os fantasmas do clima para os humanistas de amanhã.

jpcoutinho@folha.com.br



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