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Doug Aitken capta os sons da terra em Inhotim
Norte-americano premiado na Bienal de Veneza faz sua primeira obra no Brasil, que será inaugurada no fim de setembro no museu Inhotim
Artista cava buraco de 200 m e põe microfones para transmitir ruídos terrestres
DO ENVIADO A BRUMADINHO (MG)
Uma fratura exposta na terra
abriu outra fenda em Doug Aitken. Quando o artista viu a mina aberta do outro lado da
montanha em Brumadinho,
decidiu que nenhuma imagem
expressaria a mesma sensação,
a não ser a própria paisagem de
terra vermelha, mata verde e
montanhas azul profundo.
Em Inhotim, Aitken desistiu
de fabricar imagens e buscou só
a trilha sonora para o "efeito
alucinógeno" de toda a terra.
Cavou um buraco de 200 metros no alto de uma montanha e
instalou oito microfones ao
longo do trajeto. O som, do gotejar de lençóis freáticos ao estrepitar de rochas desconhecidas, reverbera numa construção de vidro em volta do rasgo.
Esse pavilhão, primeira obra
do americano no país, será
aberto em setembro, com mais
oito trabalhos no museu mineiro de arte contemporânea.
Aitken já mostrou o sono de
algumas celebridades na fachada do Museu de Arte Moderna
de Nova York. Eram curtas projetados no prédio em Manhattan: Cat Power e Seu Jorge percorriam sonâmbulos cenários
escancarados à metrópole.
Anônimos também deram
vida a paragens elétricas e desertos e minas surgem auscultados, fundidos, refeitos nas investigações visuais de Aitken.
Agora é só o som e a paisagem
que já existe. "Aqui é menos ficção e mais a qualidade física, tátil da paisagem", descreve Aitken. "É imaterial, esse volume
deslocado de terra se transforma em volume literal de som."
O pavilhão em círculo de
Inhotim dá vista panorâmica
aos vales e montanhas que se
alastram infinitos lá fora. Mas
surgem nítidos só quando encarados de frente, já que um filtro nos vidros torna difusa a
imagem quando vista a partir
de qualquer outro ângulo.
"Queria focar a percepção do
espectador, não de um jeito dominante, mas oferecer uma vista de cada vez", diz o artista.
"Isso dá forma arquitetônica ao
som: o buraco no meio cria
perspectiva, um vórtice ótico."
Percepção expandida
É o ponto central que concentra o olhar num vazio cheio
de som. "Isso leva a outro lugar", resume Aitken. "É uma janela para um mundo perceptivo, não de ícones, mitologias,
mas uma janela para uma forma de percepção expandida."
Não foge do que os renascentistas propunham pintando janelas nos afrescos: abrir fendas
para outros mundos, religiosos,
imaginários, alegóricos. Mas ao
contrário de Michelangelo, Aitken nunca termina sua obra.
Captados ao vivo, os roncos
subterrâneos chegam à superfície sem partitura. Não seguem roteiro prévio, nem têm
hora para se repetir. Aitken só
tem certeza da gama de frequências capaz de atingir o ouvido humano, sabe que notas
agudas demais ficam de fora
desse canto terrestre.
Na transmissão direta, que
amortece sobressaltos com a
âncora dos graves, também ficam de fora os contornos. Aitken abre mão do acabamento,
deixa em aberto a duração
-uma sinfonia rochosa eterna
enquanto durar o museu.
"São notas imprevisíveis",
diz o artista. "Penso na possibilidade de o som não se limitar à
duração da música do disco, de
não ser música, ser só o som
descontrolado, ao vivo."
Numa ópera coletiva, na Basileia, Aitken encenou uma revolta de lanterninhas e seguranças. Incitaram a plateia com
gritos, numa espécie de leilão
fictício, e um blecaute programado, mas a euforia tinha hora
para acabar. "Era só som, não
tinha nada à venda, mas era como se acelerasse o rap mais rápido de todos", lembra. "Era
um som de dimensões físicas."
Em Brumadinho, Aitken dissolveu as barreiras do espetáculo e encontrou as medidas de
sua obra aberta. Está na silhueta negra das montanhas, no
azul escuro do céu e nos ruídos
soturnos da terra. "É atraente a
ideia do trabalho que não termina nunca, que não entra em
loop", diz. "Essa ideia do artista
no estúdio, finalizando seu trabalho, é talvez algo do passado."
(SILAS MARTÍ)
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