São Paulo, quarta-feira, 26 de setembro de 2001

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3º FESTIVAL DO RIO BR

Para quem não leu o livro

"O Xangô de Baker Street", adaptação do best-seller homônimo de Jô Soares, dirigida por Miguel Faria Jr., abre amanhã mostra com 330 filmes; programação investe em premiados

Divulgação
Joaquim de Almeida encontra Thalma de Freitas, uma das vítimas de um serial killer em "O Xangô de Baker Street", de Miguel Faria Jr., que abre o Festival do Rio BR


LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REDAÇÃO

Há cinco anos, Miguel Faria Jr. era produtor-executivo de "Tieta do Agreste", dirigido por Cacá Diegues, na Bahia. Durante as filmagens, leu "O Xangô de Baker Street", de autoria de Jô Soares. "Um tempo depois, o produtor Bruno Stroppiana falou em transformar em filme. Fiquei de ler o livro de novo e responder mais tarde", conta o cineasta carioca, 57.
Releu e levou um baque: "Foi assustador perceber que a obra tinha um encontro de diversos gêneros: policial, romance, comédia, suspense. Aparentemente, parecia um roteiro pronto, mas não era. Faltava o que o leitor fica imaginando e o espectador tem que ver na tela do cinema".
Esse lapso foi preenchido por Patrícia Melo, que escreveu um primeiro roteiro, depois discutido com Faria Jr. e Marcos Bernstein. O resultado pode ser visto amanhã na abertura oficial da terceira edição do Festival do Rio BR.
"Buscamos uma reconstituição de época rigorosa e realista. Cada detalhe consumiu muito tempo de pesquisa. Não queria ser mentiroso ao retratar o Brasil daquela época", diz, se referindo até ao canudo para beber água de coco.
Adaptar um best-seller, que já vendeu mais de 450 mil exemplares, foi um desafio? "Não, só me deu um pouco mais de medo. Mas o Jô me deu bastante liberdade. Combinamos que ele só veria o filme pronto. Ele tinha acabado de lançar o livro, acho que não gostaria de ver seu livro mudado ou cortado. Mas não tinha jeito, dava um filme de oito horas!", diz.
Não concorda com a afirmação de que "o livro é sempre melhor que o filme". "É inevitável dizer isso. E vão dizer. Mas acho que são duas coisas diferentes. Até por isso continua-se fazendo filmes baseados em obras literárias."

Elenco
"Xangô", que custou R$ 10 milhões, conta a vinda de Sherlock Holmes (Joaquim de Almeida) ao Rio de 1886, a convite da cantora erudita Sarah Bernhardt (Maria de Medeiros), para investigar o furto de um violino Stradivarius de uma baronesa. O lendário detetive inglês esbarra na belle époque carioca, nos costumes brasileiros e num assassino em série.
O protagonista foi sugestão de Jô Soares. "Aceitei na hora. Era o que eu queria. Um ator que falasse inglês e português com sotaque lusitano, que é de onde vem o acento de Sherlock Holmes", diz.
A escolha de Maria de Medeiros foi mais trabalhosa: "Tinha pensado em uma francesa. Depois me lembrei dela, que mora na França há muitos anos. Minha exigência era ter um francês perfeito, para declamar os versos".
Mas, segundo Faria Jr., o essencial veio mesmo de terras tupiniquins: Marco Nanini, que interpreta o delegado burocrata às voltas com mortes misteriosas de mulheres. "Ele foi fundamental para dar o tom de comédia que o filme e o texto exigiam. Sem ele, eu não teria conseguido chegar ao ponto certo do longa."
Faria Jr. não é um principiante em festivais. Seu anterior, "Stelinha" (90), foi vencedor de melhor direção e filme em Gramado. "Mas não estava pensando em festivais quando fui convidado. Quero apenas que o filme seja visto, para terminar um processo começado em 97, quando negociamos os direitos de filmagem."
Sua ausência de quase 11 anos na direção é explicada pelo tempo de produção de "Xangô" -"demorou tudo, desde a pesquisa, que foi bem longa, até a arte e a produção"- e pelo governo Fernando Collor de Mello. "Com o Collor, acabou tudo em cinema. Tive de recomeçar nos bastidores, tentando fazer leis que facilitassem a produção audiovisual."
Por enquanto sem título, Faria Jr. acaba de finalizar o roteiro de sua nova produção, ao lado de Adriana Falcão, sobre a vida do compositor Vinicius de Moraes (1913-1980). "Quero começar a rodar em abril ou maio, para ficar pronto até o começo de 2003."

Programação
"Xangô" foi o escolhido para a sessão oficial de abertura, às 20h30, no Cine Odeon. O longa faz parte da Première Brasil, que ainda conta com "Dias de Nietzsche em Turim", de Julio Bressane, e "Lavoura Arcaica", de Luiz Fernando Carvalho.
Além dela, outros 16 módulos integram a mostra com 330 filmes, que vai até o dia 8. Entre eles, estão uma homenagem ao diretor italiano Francesco Rosi, com 17 longas, e um projeto de adaptação de 19 peças do dramaturgo irlandês Samuel Beckett (1906-1989).
Esta edição também investe em longas premiados como "Um Casamento à Indiana", de Mira Nair, que ganhou Veneza; "O Quarto do Filho", de Nanni Moretti, Palma de Ouro em Cannes; e "Atanarjuat - O Corredor", de Zacharias Kunuk, vencedor do Camera d'Or em Cannes.
Os destaques não param por aí. "Hors-concours", participam os franceses Eric Rohmer ("A Inglesa e o Duque") e Jean-Luc Godard ("O Amor Segundo Godard"). Há ainda um documentário sobre a revista "Cahiers du Cinéma" e uma porrada do cineasta japonês Kinji Fukasaku, "Batalha Real".


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