São Paulo, sábado, 26 de outubro de 2002

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Perspectiva lança "Tempo de Clima", que reúne artigos de Ruy Coelho publicados na revista "Clima"

Bons tempos

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A revista "Clima" (1941-44) volta à pauta com o lançamento de "Tempo de Clima" (ed. Perspectiva), reunião de artigos do escritor Ruy Coelho (1920-90). Na entrevista a seguir, o crítico literário Antonio Candido, 84, que ajudou a organizar o volume, fala da sua geração de intelectuais revelada naquelas páginas.

Folha - Como surgiu "Clima" e qual foi a colaboração de Coelho?
Antonio Candido -
A revista foi imaginada no fim de 1940 por Alfredo Mesquita e Lourival Gomes Machado. Alfredo era mais velho do que nós e não pertencia à faculdade. Lourival era um jovem assistente de sociologia, inteligente e empreendedor. Eles traçaram o plano, definiram as seções, escolheram os encarregados e os principais colaboradores. Ruy, o caçula da turma, não foi encarregado de nenhuma seção em especial, mas logo se revelou, apresentando para o primeiro número o ensaio mais importante que a revista publicou, "Marcel Proust e o Nosso Tempo". A seguir, revelou-se o mais informado e versátil, publicando artigos e notas sobre literatura, teatro, cinema, política. Creio que "Clima" foi para ele a oportunidade de revelar e exercer a sua força intelectual.

Folha - Como foi revisitar os textos de Coelho para o livro?
Candido -
A organização não foi minha, foi da família e dos discípulos. Nasceu do intuito de reunir tudo o que Ruy publicou na revista. Eu reli os textos, sempre impressionado com a cultura e a energia mental daquele rapaz distraído de 20 anos. Essa leitura me pôs de novo em contato com uma inteligência privilegiada, às vezes ligada a posições contingentes do momento, que nele nunca atrapalharam a lucidez.

Folha - Qual era o ambiente político, social e cultural da época?
Candido -
São Paulo estava num momento de certa efervescência cultural. A Semana de Arte Moderna datava de 20 anos e tinha aberto a era das inovações e das revisões, que ocorreram em diversos setores. O movimento armado de 1930 abrira uma fase de grande interesse pelo Brasil. De 1935 a 1938, Mário de Andrade dirigira com espírito criador o Departamento de Cultura da Prefeitura, abrindo caminhos. Em 1934, a fundação da Universidade de São Paulo e da sua inovadora Faculdade de Filosofia criara um tipo desconhecido de ensino e investigação no domínio das Humanidades. Junto ao público, o que era considerado maluquice de "futuristas" começava a ser aceito como solução cabível.
"Clima" faz parte dessa onda e representa a primeira ponte entre os setores de estudos humanos da USP e a cidade. Fomos fruto da Filosofia e representamos um espírito de consolidação e continuação do que fora modificado; não de inovação ou ruptura.

Folha - No início, "Clima" não era engajada politicamente, mas depois se assumiu como tal. Como se deu esse trânsito?
Candido -
De fato, um dos nossos intuitos era manter a revista afastada de preocupação política, mesmo porque estávamos sob uma ditadura que arrochava as manifestações ideológicas e qualquer tipo de oposição. Além disso, éramos pouco interessados no assunto, embora fôssemos contra a ditadura e tivéssemos na absoluta maioria simpatia platônica pelo socialismo. Apenas um de nós, Paulo Emílio Salles Gomes, tivera experiência política, fora preso, fugira. Mas também ele estava no momento desligado de qualquer compromisso ou atividade.
Foi a entrada no Brasil na guerra, no fim de 1942, que nos despertou. Paulo liderou algumas manifestações da revista, e os últimos quatro números saíram no fim de 1944 demonstrando certa politização. O nosso projeto se alterou, portanto, passando da abstenção à participação relativa. Em 1945, Décio, Lourival, Paulo Emílio e eu entramos para a Esquerda Democrática, que em 1947 mudou o nome para Partido Socialista Brasileiro. Ruy estava nos EUA, ficando no exterior até o começo dos anos de 1950, mas tinha as mesmas idéias que nós.


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