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São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2003

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CRÍTICA

Uma grande reflexão em torno da ética

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Ao contrário da maior parte dos documentários investigativos, que costumam resolver os problemas apresentados com conclusões definitivas, "A Captura dos Friedmans" faz o espectador sair do cinema com mais perguntas do que quando entrou.
O filme é absolutamente perturbador por três motivos: o tema que apresenta (um escândalo de pedofilia numa família modelo da América), a investigação em si (dezenas de entrevistas que impossibilitam uma verdade única em torno do episódio) e seu material de arquivo (um conjunto de filmes caseiros que capturam a deterioração de uma família).
Assim como "Tiros em Columbine" fazia uma investigação em torno do belicismo americano, "A Captura dos Friedmans" fala da forma doentia como são tratadas as questões sexuais na América conservadora. Jarecki retoma o caso de um respeitado professor de ciências acusado de abusar sexualmente de seus alunos. Os policiais batem na porta de Arnold Friedman pela primeira vez no Dia de Ação de Graças de 1987. A partir desse dia, sua vida acaba.
A enxurrada de acusações termina envolvendo um de seus filhos, Jesse, apontado como co-autor de abusos sexuais nas aulas de informática que eles mantinham no bairro. O diretor Jarecki não está preocupado em inocentar Arnold. Mas levanta questões sobre a investigação da polícia e o processo judicial que vão mostrar distorções absurdas: muito mais terrível que a "doença" que estava oculta no seio daquela família é a "doença" dos que estão em torno: vizinhos, pais, policiais, advogados, juízes etc. Todos têm larga parcela de responsabilidade no furacão que destrói os Friedmans.
Mas a recuperação do processo judicial é pouco, perto do que o filme tem de mais impactante: as imagens coletadas por David Friedman, o filho mais velho, que registrou as brigas e discussões entre pais e irmãos no desenrolar do caso. Esse elemento é o que perturba mais o espectador, tomado pelo sentimento de invasão da intimidade de uma família mesmo sabendo que se trata de uma "invasão" autorizada, e que dá grandeza ao filme justamente por desestabilizar certezas. Essas imagens transformam o que seria um documentário tradicional em uma grande reflexão em torno da memória, da verdade e da ética.

A Captura dos Friedmans
Capturing the Friedmans


    


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