São Paulo, domingo, 26 de outubro de 2008

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Peça põe Amazônia em tragédia de Shakespeare

Diretor aponta elo entre "Macbeth" e desmatamento

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Na montagem de "Macbeth" em cartaz desde sexta em São Paulo, o personagem-título desfila sua ambição num cenário de troncos cortados e folhas secas. Prenúncio de que talhará todo obstáculo que se colocar entre ele e o trono da Escócia -para não falar dos que surgirem após sua coroação.
Mas há, na concepção do diretor Ederson José (que acumula o papel de Macbeth), outra leitura possível para a paisagem de desolação: a Amazônia desmatada. Ele vê paralelos entre a sanha extrativista na região e a obsessão de Macbeth pelo poder: "Essa briga de grileiros, essa autoridade conseguida por meio da encomenda de mortes a matadores de aluguel, isso tinha muito na Escócia".
O desejo de tratar, nas entrelinhas, da destruição da floresta não se traduziu em mudanças substanciais no texto original. "Não houve necessidade de regionalizar, fazer sotaque, pois a idéia era que a história permanecesse universal", diz José.
O máximo que ele se permitiu em termos de "aclimatação" foi inserir uma referência ao caso da adolescente presa em cela com 20 homens, no Pará, em 2007 (quando os nobres que articulam para destronar Macbeth comentam seu regime anárquico), e músicas de Chico César ("Invocação") e Carlinhos Brown/Arnaldo Antunes ("Lua Vermelha").
Esta última (ouvida na voz das três bruxas/irmãs que predizem o futuro de Macbeth) tem versos que falam em "centelha" e "bolha de sabão": "É uma imagem para a efemeridade do poder do personagem, mas também daqueles que hoje conseguem dinheiro derrubando a floresta. Aquilo vai se esgotar", afirma o diretor, esquivando-se do rótulo de demagógico. "Sei que é moda falar de sustentabilidade, tem essa história de "marketing verde".
Mas aqui não ficamos gritando pela Amazônia. Falamos disso dentro de Shakespeare".

Do cinema para o palco
As intérpretes das bruxas proféticas são as irmãs Regina, Maria e Conceição, celebrizadas no documentário "A Pessoa É para O Que Nasce" (2003), de Roberto Berliner, como Poroca, Maroca e Indaiá. Cegas, elas foram descobertas tocando ganzá e cantando embolada em Campina Grande (PB).
José foi até lá convidá-las para atuar na montagem (em seis intervenções, ensaiadas em junho e na semana de estréia).
"Pensei que não ia funcionar, que ia errar as músicas. A peça arrepiou meus cabelos todinhos", conta Maroca, já mais segura de seu desempenho.


MACBETH - COMO NASCE UM DESERTO
Quando: de sexta a domingo, às 19h30; até 7/12
Onde: Sesc Avenida Paulista (av. Paulista, 119, 5º andar, tel. 0/xx/ 11/ 3179-3700)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: não indicado a menores de 14 anos



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