São Paulo, segunda-feira, 26 de outubro de 2009

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Crítica/"Alga Doce"

Em tom triste, Wajda deixa de lado a grande história e reflete sobre a morte

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Desde que Andrzej Wajda retornou à Polônia, depois de uma carreira internacional irregular, seu cinema reconquistou a densidade estética e dramática de seus momentos mais fortes ("Canal", "Cinzas e Diamantes", "O Homem de Mármore").
Se "Katyn" (2007), seu longa anterior, era um doloroso acerto de contas com o passado histórico da Polônia, em "Alga Doce" o foco se fecha em poucos destinos individuais. Mas o tom segue sendo elegíaco, de meditação sobre a morte.
Há no filme duas histórias que se sobrepõem. Uma delas, inspirada num conto de Jaroslaw Iwaszkiewcz e em outro de Sándor Márai, é a de Marta (Krystyna Janda), mulher de um médico de província que descobre nela uma doença incurável em estágio terminal.
Para piorar, eles perderam os dois filhos durante a Segunda Guerra Mundial.
A outra história é o drama real da própria atriz Krystyna Janda, cujo marido, o diretor de fotografia Edward Klosinski, morreu de câncer em 2008, quando ela se preparava para filmar com Wajda. Tanto Klosinski quanto Krystyna tinham trabalhado com o diretor desde os anos 70.
A agonia (real) de Klosinski e a agonia (ficcional) da personagem Marta espelham-se mutuamente, são como desdobramentos de um mesmo ensaio sobre a finitude humana.
Em "Katyn", filme escuro, de textura espessa, predominava a materialidade da terra, afinal, tratava-se de desenterrar corpos, de desencavar o passado. Já em "Alga Doce", cujo cenário é uma aldeia à margem de um rio, o elemento essencial é a água, a sublinhar com melancolia o fluir inelutável do tempo. A imagem aqui é clara, translúcida, exangue.
É na beira do rio, e em suas mansas águas, que Marta, ainda sem saber que lhe resta pouco tempo, vive um romance tardio e platônico com um jovem barqueiro. Ele a desperta para a vida, mais ou menos como Tadzio despertou Aschenbach em "Morte em Veneza" [filme de Luchino Visconti]. Nos dois casos, tarde demais. Filme tristíssimo, "Alga Doce" tem também seu tanto de balanço pessoal do próprio Wajda, e não apenas pelo tocante tributo à atriz e amiga. Não por acaso, quando Marta se dispõe a incentivar o jovem barqueiro a ler, o romance que lhe empresta é "Cinzas e Diamantes", de Jerzy Andrzejewski, base de um dos grandes filmes do diretor e do cinema.


ALGA DOCE

Quando: hoje, às 19h, na Faap, e dia 2/11 no Espaço Unibanco Augusta
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo




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