São Paulo, sexta-feira, 26 de novembro de 2004

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CRÍTICA

Obras colocam homem comum no palco da grande história

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"Peões" (que compete hoje no Festival de Cinema de Brasília) e "Entreatos" são filmes opostos e complementares, que crescem em significado e impacto quando vistos um depois do outro -se possível nessa ordem.
O primeiro busca o sentido da história inscrito na pequena biografia de homens anônimos que foram companheiros de Lula no trabalho operário e sindical. O segundo trilha o caminho inverso ao buscar o íntimo, o "comum", no homem de trajetória pública e dimensão histórica.
Por conta de seus objetivos distintos, cada um dos documentários tem uma forma própria.
No de Eduardo Coutinho há 21 protagonistas, filmados em circunstâncias semelhantes: todos falam diretamente ao diretor sobre suas lembranças profissionais, políticas, familiares.
Grande parte da história social do país nas últimas décadas desfila então diante de nós.
A migração nordestina para o Sudeste, o auge da indústria automobilística, a resistência à ditadura, a modernização da produção, o aumento do desemprego -essas coisas todas, que lemos nos relatos jornalísticos ou nas análises sociológicas, aparecem ali vivas, concretizadas em vozes, risos, lágrimas e cicatrizes.
Já em "Entreatos", o protagonista é um só, o homem que subiu ao palco da "grande história" conduzido nos braços dos peões do filme anterior. Filmado nas mais diversas circunstâncias durante sua campanha à Presidência -da cadeira do barbeiro à gravação do programa eleitoral, do aniversário em família à reunião política-, Lula deixa ver o que persiste de comum no homem público, ou de "ordinário" no personagem "extraordinário".
Ao contrário do que ocorre em "Peões", em boa parte de "Entreatos" tudo se passa como se a câmera não estivesse lá. Essa naturalidade, obviamente, é enganosa: tanto Lula como seus coadjuvantes (parentes, assessores, correligionários) sabem que seus gestos e palavras estão sendo filmados.
Mas, como notou o diretor João Moreira Salles, essa construção que os personagens fazem de si mesmos é parte integrante deles. A dose de faz-de-conta de que lançamos mão na vida social também nos constitui, é parte da nossa verdade.
A própria participação do publicitário Duda Mendonça na constituição da imagem de "um novo Lula" é mostrada às claras. Mais reveladora, entretanto, é a sem-cerimônia com que um amigo de primeira hora do presidente, Ricardo Kotscho, pede a ele que pare de falar em seus discursos dos "grandes homens que não estudaram". "Essa conversa já encheu o saco", diz o jornalista.
Tudo é muito rico no jogo, captado por Salles, entre o "velho Lula" e o "novo Lula". Pena que muitos vão preferir pinçar nesses dois filmes memoráveis (em todos os sentidos do adjetivo) aquilo que interessa à luta política pequena e imediata, em vez de aprender o que eles têm a nos ensinar sobre nosso país e sobre nós mesmos.


Peões
    
Direção: Eduardo Coutinho
Produção: Brasil, 2004
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Extra Anchieta, Frei Caneca Unibanco Arteplex e Metrô Santa Cruz

Entreatos
    
Direção: João Moreira Salles
Produção: Brasil, 2004
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Extra Anchieta, Frei Caneca Unibanco Arteplex e Metrô Santa Cruz



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