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CRÍTICA
Obras colocam homem comum no palco da grande história
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Peões" (que compete hoje
no Festival de Cinema de
Brasília) e "Entreatos" são filmes
opostos e complementares, que
crescem em significado e impacto
quando vistos um depois do outro -se possível nessa ordem.
O primeiro busca o sentido da
história inscrito na pequena biografia de homens anônimos que
foram companheiros de Lula no
trabalho operário e sindical. O segundo trilha o caminho inverso
ao buscar o íntimo, o "comum",
no homem de trajetória pública e
dimensão histórica.
Por conta de seus objetivos distintos, cada um dos documentários tem uma forma própria.
No de Eduardo Coutinho há 21
protagonistas, filmados em circunstâncias semelhantes: todos
falam diretamente ao diretor sobre suas lembranças profissionais, políticas, familiares.
Grande parte da história social
do país nas últimas décadas desfila então diante de nós.
A migração nordestina para o
Sudeste, o auge da indústria automobilística, a resistência à ditadura, a modernização da produção,
o aumento do desemprego -essas coisas todas, que lemos nos relatos jornalísticos ou nas análises
sociológicas, aparecem ali vivas,
concretizadas em vozes, risos, lágrimas e cicatrizes.
Já em "Entreatos", o protagonista é um só, o homem que subiu
ao palco da "grande história" conduzido nos braços dos peões do
filme anterior. Filmado nas mais
diversas circunstâncias durante
sua campanha à Presidência -da
cadeira do barbeiro à gravação do
programa eleitoral, do aniversário em família à reunião política-, Lula deixa ver o que persiste
de comum no homem público, ou
de "ordinário" no personagem
"extraordinário".
Ao contrário do que ocorre em
"Peões", em boa parte de "Entreatos" tudo se passa como se a câmera não estivesse lá. Essa naturalidade, obviamente, é enganosa:
tanto Lula como seus coadjuvantes (parentes, assessores, correligionários) sabem que seus gestos
e palavras estão sendo filmados.
Mas, como notou o diretor João
Moreira Salles, essa construção
que os personagens fazem de si
mesmos é parte integrante deles.
A dose de faz-de-conta de que
lançamos mão na vida social também nos constitui, é parte da nossa verdade.
A própria participação do publicitário Duda Mendonça na
constituição da imagem de "um
novo Lula" é mostrada às claras.
Mais reveladora, entretanto, é a
sem-cerimônia com que um amigo de primeira hora do presidente, Ricardo Kotscho, pede a ele
que pare de falar em seus discursos dos "grandes homens que não
estudaram". "Essa conversa já encheu o saco", diz o jornalista.
Tudo é muito rico no jogo, captado por Salles, entre o "velho Lula" e o "novo Lula". Pena que
muitos vão preferir pinçar nesses
dois filmes memoráveis (em todos os sentidos do adjetivo) aquilo que interessa à luta política pequena e imediata, em vez de
aprender o que eles têm a nos ensinar sobre nosso país e sobre nós
mesmos.
Peões
Direção: Eduardo Coutinho
Produção: Brasil, 2004
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco, Extra Anchieta, Frei Caneca
Unibanco Arteplex e Metrô Santa Cruz
Entreatos
Direção: João Moreira Salles
Produção: Brasil, 2004
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco, Extra Anchieta, Frei Caneca
Unibanco Arteplex e Metrô Santa Cruz
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