São Paulo, domingo, 26 de novembro de 2006

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Ela já deu o que tinha que dar?

Não, mas aquela delícia de "Encontros e Desencontros" virou uma "femme-fatale" superexposta por Hollywood

DA REPORTAGEM LOCAL

Vamos à verdade: algo de Scarlett Johansson se perdeu na sua tradução de namoradinha-do-Brasil (do Japão, dos Estados Unidos, de toda a parte) para mulherão-objeto, poucos anos e muitos papéis depois do de Charlotte, aquela delícia de "Encontros e Desencontros" ("Lost in Translation").
Voltemos para onde tudo começou: a abertura do filme de Sofia Coppola, que apresentou a moça para o deleite das massas cinéfilas do planeta. O texto original do roteiro de Sofia descreve a cena, sem meias palavras: "Interior do quarto de Charlotte - Noite: música melodramática toca sobre a bunda da garota de calcinha rosa-claro, deitada na cama".
Estava ali, no recato da peça íntima de adolescente, promissora em sua suave transparência, a síntese do fetiche: o jeito inocente e sexy que faria qualquer um desejar embarcar num avião e se perder com Charlotte pelo Oriente o mais depressa possível.
"Desde a cena inicial dela deitada com uma calcinha transparente, Sofia Coppola soube muito bem explorar o potencial de Scarlett: uma sensualidade que se manifesta quase à revelia, uma voluptuosidade que se torna mais interessante porque oculta, uma inteligência curiosa e provocadora", analisa Ricardo Calil, crítico do site nomínimo.
Para o jornalista Xico Sá, autor de "Catecismo de Devoções, Intimidades & Pornografias" (ed. do Bispo), "a grande vantagem dessa galega é que ela é o tipo da loira linda e gostosa que poderia ficar com qualquer um vagabundo feito a gente; lembra a gostosa de bairro, que até faz um doce, seduz quase profissionalmente, mas é epidermicamente democrática".
Em "Encontros e Desencontros", ele diz, a atriz "nos parece mais humana e possível ainda".
O problema é que, de lá para cá, Scarlett aposentou o perfil de moça cool e provocadora para, empurrada pelos senhores de Hollywood (esses tradutores-traidores), embarcar com mais corpo do que alma no papel de "femme fatale", encarnando personagens que ficariam mais dignos num ensaio de época da "Playboy".
"É verdade, ela vem sofrendo desgaste por causa de um certo excesso de filmes e também da má escolha de alguns papéis. Casos mais evidentes: "O Grande Truque", "A Ilha", "Falsária", "Uma Canção de Amor para Bobby Long". Mas ela também fez filmes bastante decentes nos últimos dois anos, incluindo os dois de Woody Allen e o De Palma", pondera Calil.
É claro que a quantidade não impediu -na realidade, favoreceu- a consagração da atriz como "a mulher mais sexy do mundo", como anunciou a revista americana "Esquire" do último mês -publicação que reúne ótimos textos e mulherões que só ameaçam, mas não chegam a tirar toda a roupa.
A revista não escapou de clichês vulgares de ensaios "sexy". Numa das fotos, Scarlett engatinha no chão da cozinha, trajes mínimos, chupando picolé. Noutra, depila as pernas. Mas isso não é bom? Sim, pode ser. Mas já foi melhor.

Filmes demais
Também para o crítico de cinema Sérgio Rizzo, da Folha, a imagem da atriz foi afetada pela profusão de projetos. "Depois de "Encontros e Desencontros" e "Moça com Brinco de Pérola", ambos de 2003, ela esteve em nove lançamentos nos últimos três anos. Esse ritmo de trabalho a mantém o tempo todo na vitrine da imprensa de celebridades, especialmente voraz com ela", diz Rizzo. Resultado: "Com 1,63 m de altura, 22 anos e aquele rosto de boneca peralta, papéis de mulher fatal podem ser inadequados, sobretudo porque seus recursos de interpretação parecem limitados", avalia o crítico.
Calil, que faz o mesmo diagnóstico, alivia: "Convém não ser muito severo com Scarlett. Acho que ela é a descoberta mais invulgar de Hollywood em anos, uma das poucas que pode ser atriz, estrela, símbolo sexual e ícone da moda ao mesmo tempo. De cabeça, lembro apenas de Nicole Kidman entre as que estão na ativa."
Mas para o crítico, dificilmente a performance em "Encontros e Desencontros" ("de longe o melhor filme de Johansson") será igualada.
É nesse filme, diz Xico Sá, que ela mais "vende a ilusão de felicidade aos tiozinhos feios, sujos e mal-diagramados". "Os homens não servem hoje em dia para muita coisa, mas o olhar de Scarlett nos dá a esperança de que ainda sejamos úteis para alguma coisa dentro de casa, além de abrir potes de geléia e extrato de tomate."
Certamente a tentativa mais vil de destruir a imagem de Charlotte foi a produção "A Ilha", que tenta transformar Scarlett em tudo o que -diz Calil- "ela não é: uma loira burra e aeróbica". Sérgio Dávila, correspondente em Washington e também autor de críticas de cinema da Folha, concorda que "A Ilha" é uma bomba no currículo da moça. Ele acredita que ela deve ter dificuldades de dizer não (provavelmente ciente do fato de que depois dos 30 a vida será muito mais difícil), e, se pudesse, daria um conselho à jovem atriz: "Menos é mais."
Calil diria o mesmo a Scarlett: "Faça com que sua presença seja novamente ansiada". Rizzo é talvez o mais preocupado com os percalços propriamente cinematográficos da atriz. Suas recomendações incluem um item que já soa radical demais -o abandono da atmosfera sexy que cerca Scarlett: "Ela deveria abraçar um papel mais difícil, de preferência em uma produção independente, que contrarie o estereótipo de sex symbol", e, muito importante, "permanecer longe de Tom Cruise".
(RAFAEL CARIELLO, LEONARDO CRUZ E MARCOS AUGUSTO GONÇALVES)


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