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Ela já deu o que tinha que dar?
Não, mas aquela delícia de "Encontros e Desencontros" virou uma "femme-fatale" superexposta por Hollywood
DA REPORTAGEM LOCAL
Vamos à verdade: algo de
Scarlett Johansson se perdeu
na sua tradução de namoradinha-do-Brasil (do Japão, dos
Estados Unidos, de toda a parte) para mulherão-objeto, poucos anos e muitos papéis depois
do de Charlotte, aquela delícia
de "Encontros e Desencontros"
("Lost in Translation").
Voltemos para onde tudo começou: a abertura do filme de
Sofia Coppola, que apresentou
a moça para o deleite das massas cinéfilas do planeta. O texto
original do roteiro de Sofia descreve a cena, sem meias palavras: "Interior do quarto de
Charlotte - Noite: música melodramática toca sobre a bunda
da garota de calcinha rosa-claro, deitada na cama".
Estava ali, no recato da peça
íntima de adolescente, promissora em sua suave transparência, a síntese do fetiche: o jeito
inocente e sexy que faria qualquer um desejar embarcar num
avião e se perder com Charlotte
pelo Oriente o mais depressa
possível.
"Desde a cena inicial dela
deitada com uma calcinha
transparente, Sofia Coppola
soube muito bem explorar o
potencial de Scarlett: uma sensualidade que se manifesta
quase à revelia, uma voluptuosidade que se torna mais interessante porque oculta, uma
inteligência curiosa e provocadora", analisa Ricardo Calil, crítico do site nomínimo.
Para o jornalista Xico Sá, autor de "Catecismo de Devoções,
Intimidades & Pornografias"
(ed. do Bispo), "a grande vantagem dessa galega é que ela é o
tipo da loira linda e gostosa que
poderia ficar com qualquer um
vagabundo feito a gente; lembra a gostosa de bairro, que até
faz um doce, seduz quase profissionalmente, mas é epidermicamente democrática".
Em "Encontros e Desencontros", ele diz, a atriz "nos parece
mais humana e possível ainda".
O problema é que, de lá para
cá, Scarlett aposentou o perfil
de moça cool e provocadora para, empurrada pelos senhores
de Hollywood (esses tradutores-traidores), embarcar com
mais corpo do que alma no papel de "femme fatale", encarnando personagens que ficariam mais dignos num ensaio
de época da "Playboy".
"É verdade, ela vem sofrendo
desgaste por causa de um certo
excesso de filmes e também da
má escolha de alguns papéis.
Casos mais evidentes: "O Grande Truque", "A Ilha", "Falsária",
"Uma Canção de Amor para
Bobby Long". Mas ela também
fez filmes bastante decentes
nos últimos dois anos, incluindo os dois de Woody Allen e o
De Palma", pondera Calil.
É claro que a quantidade não
impediu -na realidade, favoreceu- a consagração da atriz como "a mulher mais sexy do
mundo", como anunciou a revista americana "Esquire" do
último mês -publicação que
reúne ótimos textos e mulherões que só ameaçam, mas não
chegam a tirar toda a roupa.
A revista não escapou de clichês vulgares de ensaios "sexy".
Numa das fotos, Scarlett engatinha no chão da cozinha, trajes
mínimos, chupando picolé.
Noutra, depila as pernas. Mas
isso não é bom? Sim, pode ser.
Mas já foi melhor.
Filmes demais
Também para o crítico de cinema Sérgio Rizzo, da Folha, a
imagem da atriz foi afetada pela profusão de projetos. "Depois de "Encontros e Desencontros" e "Moça com Brinco de
Pérola", ambos de 2003, ela esteve em nove lançamentos nos
últimos três anos. Esse ritmo
de trabalho a mantém o tempo
todo na vitrine da imprensa de
celebridades, especialmente
voraz com ela", diz Rizzo. Resultado: "Com 1,63 m de altura,
22 anos e aquele rosto de boneca peralta, papéis de mulher fatal podem ser inadequados, sobretudo porque seus recursos
de interpretação parecem limitados", avalia o crítico.
Calil, que faz o mesmo diagnóstico, alivia: "Convém não
ser muito severo com Scarlett.
Acho que ela é a descoberta
mais invulgar de Hollywood
em anos, uma das poucas que
pode ser atriz, estrela, símbolo
sexual e ícone da moda ao mesmo tempo. De cabeça, lembro
apenas de Nicole Kidman entre
as que estão na ativa."
Mas para o crítico, dificilmente a performance em "Encontros e Desencontros" ("de
longe o melhor filme de Johansson") será igualada.
É nesse filme, diz Xico Sá,
que ela mais "vende a ilusão de
felicidade aos tiozinhos feios,
sujos e mal-diagramados". "Os
homens não servem hoje em
dia para muita coisa, mas o
olhar de Scarlett nos dá a esperança de que ainda sejamos
úteis para alguma coisa dentro
de casa, além de abrir potes de
geléia e extrato de tomate."
Certamente a tentativa mais
vil de destruir a imagem de
Charlotte foi a produção "A
Ilha", que tenta transformar
Scarlett em tudo o que -diz
Calil- "ela não é: uma loira
burra e aeróbica". Sérgio Dávila, correspondente em Washington e também autor de críticas de cinema da Folha, concorda que "A Ilha" é uma bomba no currículo da moça. Ele
acredita que ela deve ter dificuldades de dizer não (provavelmente ciente do fato de que
depois dos 30 a vida será muito
mais difícil), e, se pudesse, daria um conselho à jovem atriz:
"Menos é mais."
Calil diria o mesmo a Scarlett: "Faça com que sua presença seja novamente ansiada".
Rizzo é talvez o mais preocupado com os percalços propriamente cinematográficos da
atriz. Suas recomendações incluem um item que já soa radical demais -o abandono da atmosfera sexy que cerca Scarlett: "Ela deveria abraçar um
papel mais difícil, de preferência em uma produção independente, que contrarie o estereótipo de sex symbol", e, muito
importante, "permanecer longe de Tom Cruise".
(RAFAEL CARIELLO, LEONARDO CRUZ E
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES)
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