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MÚSICA
Crítica/ópera/"Sansão e Dalila"
Encenação ressalta "força das fraquezas" de Saint-Saëns
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Há mais coisas no céu e
no palco, decerto, do
que sonha nossa vã filosofia. São tantos símbolos,
ironias e alegorias nesta montagem de "Sansão e Dalila", que
nós, filisteus, provavelmente
deixamos passar alguma verdade, se não a verdade.
Dirigida por André Heller-Lopes e regida por Jamil Maluf,
a ópera de Saint-Saëns recebe
aqui uma encenação que ao
mesmo tempo atualiza e distancia as referências, misturando eras com facilidade análoga à do próprio compositor.
Nisso está sua virtude; nisso
está sua fraqueza. Desde sempre Saint-Saëns foi admirado
pela facilidade para escrever
em qualquer estilo e criticado
pela dificuldade de encontrar,
afinal, um registro inteiramente seu. Mestre do contraponto,
como fica claro nesta ópera, por
exemplo, nos momentos virtuosísticos do coro -o excelente Coral Lírico, superpovoando
a cena-, ele se esforça para
criar um estilo que combine a
monumentalidade da Grande
Ópera francesa com os rigores
formais da escola classicista (à
maneira de Brahms) e técnicas
de transformação motívica (à
maneira de Liszt).
O resultado soa muitas vezes
teatral, no mau sentido, seja
porque a coerência interna da
música acaba escondida, seja
porque vem à tona como exercício, no limite do pedante.
Quem melhor definiu seu dilema foi o compositor Berlioz,
para quem o jovem Saint-Saëns
já sofria de "falta de inexperiência". Toda essa carga ganha
representação na montagem de
Heller-Lopes, com cenários de
Hélio Eichbauer.
Os hebreus e filisteus bíblicos aparecem em cena com estilização de fins do século 19,
combinada a toques orientalistas, numa ambiência que também põe em jogo nosso próprio
misturado gosto. Grandes "tableaux" fazem pensar nas cenas
neoclássicas de pintores como
Ingres e David; mas também
em Dolce & Gabbana.
O cordão enrolado no braço
dos judeus ortodoxos é de um
vermelho fosforescente -e
vermelho é a cor crucial, do começo ao fim. Mais tarde, no terceiro ato, Sansão, "sem olhos
em Gaza", surgirá em cena contra o balé desses cordões fosforescendo, no limite do cômico.
(Depois vem o balé, propriamente, no limite do sério, durante o famoso episódio orquestral, melhor momento da
OSM.) Mais impactantes são os
globos oculares projetados no
espaço, ecoados pelos dois
grandes globos prateados do
templo. Sinais dessa ordem se
multiplicam do começo ao fim.
A encenação rígida também é
pródiga de sinais. Raramente
escapa de uma linguagem engessada, o que faz sentido neste
contexto, mas não deixa de ser
uma pena, especialmente com
cantores tão bons como a meio-soprano Denise de Freitas (Dalila), o tenor Marcello Vannucci
(Sansão) e o barítono Leonardo
Neiva (Sumo Sacerdote). O trio
está cantando com segurança e
engajamento -tudo o que falta
num simples beijo ou abraço,
para não falar das cenas mais
sensuais. Cantam como entidades; beijam como bonecos.
O final é um anticlímax: colunas de brinquedo, desabando
sob música vazia. Não deixa de
ser um comentário auto-irônico às ruínas da arte de Saint-Saëns, que seguem caindo sobre todos nós com toda a força
de suas fraquezas.
SANSÃO E DALILA
Quando: hoje e sex., às 20h30, e dom.,
às 17h
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos
de Azevedo, s/nº; tel. 0/xx/11/3397-0327)
Quanto: de R$ 20 a R$ 40
Classificação: não indicado a menores
de 5 anos
Avaliação: bom
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