São Paulo, quinta-feira, 26 de novembro de 2009

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Permitidão

Funk carioca, conhecido como "proibidão" no Rio por fazer apologia ao crime e à violência, ganha versão comportada e voltada ao mercado em São Paulo

João Wainer/Folha Imagem
MC Dedê, de Cidade Tiradentes, que canta para criançada "Jogar Bolar e Estudar"

FERNANDA MENA
DA REPORTAGEM LOCAL

Vinte anos depois de dominar os morros do Rio de Janeiro, o funk carioca pegou a ponte aérea para render o reduto do rap, dos manos e das minas, ao som do pancadão.
O ritmo virou febre nas periferias de São Paulo e fez escola na Cidade Tiradentes, na zona leste da cidade, que é considerado o maior complexo de conjuntos habitacionais da América Latina. Ali, emerge hoje uma geração de MCs engajada numa versão de funk bem-comportada. Coisa de paulista.
O ritmo célebre pelas rimas de duplo sentido ou de alusão ao crime organizado -o chamado funk "proibidão"- ganhou em São Paulo letras acima de qualquer censura.
Chamado de funk consciente, funk melody e funk do bem, em São Paulo o "proibidão" poderia ganhar outro apelido: "permitidão".
"A música que fala de armas e de droga é muito limitada", explica MC Bio-G3, pioneiro da cena paulistana. "Ela não entra nas rádios nem nas casas noturnas. Fica restrita à favela e não consegue se estabelecer. A ideia é lapidar as letras de funk com uma visão de mercado."
"O proibidão não ia pra frente. Todo mundo preferiu mudar para crescer", diz MC Jé Bolado, 22, também da Cidade Tiradentes, onde os bailes reúnem até 20 mil pessoas, segundo a subprefeitura local. "Queremos falar do cotidiano da periferia, mas sem apologia ao crime", conta o autor da rima "tá na mira, safado; fechamos com o certo e não com o errado".
"Nosso funk não agride os ouvidos de ninguém. O funk é cultura e pode até ajudar uma pessoa", entusiasma-se MC Dedê, 20, autor da improvável "Jogar Bola e Estudar". Dedê foi o vencedor do 1º Funk Festival - Canta Cidade Tiradentes, festival criado pela subprefeitura local em parceria com MCs da região.

Crise do rap
A entrada em cena do funk nos bailes da periferia de São Paulo é diretamente proporcional à perda de espaço do rap, que parece ter deixado como herança cultural as letras de protesto e de crítica social.
DJ Marlboro, o papa do funk carioca, confirma: "Os MCs de São Paulo estão nascendo com uma influência muito grande do rap. Há uma vertente legal de funk com uma consciência maior, sem abrir mão do lado funkeiro e extrovertido".
Para o MC Beto Brazil, 38, no entanto, a estratégia de transformar o funk numa espécie de "permitidão", de olho no mercado, tem seu revés. "Nossas letras também são rejeitadas, em especial por quem que se amarra em papo de arma."

Baile autorizado
No lugar de Turano, Morro do Dendê e Acari, bairros cariocas que estrelaram rimas de funk, as letras paulistanas falam de Guaianases, Setor G e Sítio Conceição, regiões distantes do imaginário cultural da cidade, antes dominada por grupos de rap da zona sul.
Foi por conta de um problema com a Prefeitura de São Paulo que Bio-G3 se tornou padrinho do funk paulistano na zona leste. "Fazia bailes para mais de 10 mil pessoas e comecei a ter problemas com a Subprefeitura da Cidade Tiradentes por causa do barulho."
De uma conversa com o subprefeito Renato Barreiros nasceu uma parceria: o Funk Festival. O evento revelou talentos do leste da cidade em 2008 e vai repetir a dose no próximo domingo, dia 29, no Terminal Velho (av. dos Metalúrgicos, 2820, Cidade Tiradentes).


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