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FERNANDO BONASSI
Reflexões baratas
Um Congresso de milionários daria lucro? Em prejuízo de quem? Esse raciocínio é um absurdo?
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CONSIDERANDO que de muita
miséria e degradação nem
mesmo os poucos intelectuais carnavalescos em extinção andam gostando, um Congresso de deputados milionários parece ser mesmo a mais autêntica representação
da íntima vontade, ou fantasia de
verdade, deste povo...
Decisões das urnas e dos seres supremos não se discutem, se com...
Quer dizer, se cumpre; mas a originalidade deste resultado eleitoral
faz com que até mesmo o mais amoral dos cientistas apolíticos esteja se
perguntando entre teses e antíteses
acadêmicas:
Se um deputado milionário tem
tudo a perder com os proventos insuficientes que se pagam em proveito os seus colegas de trabalho, o que
teriam a ganhar com uma remuneração de esfomeados?
Que status os deputados milionários pretendem dar ao programa Fome Zero?
O que conteria uma cesta básica
para um deputado milionário?
Considerando suas mais singelas
despesas pessoais, qual seria o mínimo salário votado pelos deputados
milionários? Suas rendas seriam
portuguesas, chinesas, suecas ou
britânicas?
Que espécie de bom conceito alguns deputados milionários farão da
mais abjeta pobreza em que mal vivem milhões de brasileiros? A quem
eles atribuiriam a sorte desses tantos outros? Ao azar deles próprios?
Os congressistas milionários dos
diversos Estados da Federação distribuiriam suas riquezas como distribuem terra os latifundiários pernambucanos e maranhenses? Ou
seria mais parecido com as benesses
que os banqueiros paulistas pagam
aos seus correntistas e o que os rentistas cariocas fazem de suas divisas,
engarrafando-as e exportando-as
para ambientes mais salubres ao seu
próprio patrimônio?
Se os congressistas milionários
administrarem o patrimônio público que resta de acordo com a eficiência que administram aquelas muitas
coisas privadas que arrendam, o que
será da existência e da baixa rentabilidade dos pobres coitados? Usariam terno e gravata? Seriam comprados e incluídos ou vendidos e excluídos como sucata?
Se a pátria amada exigir seus
maiores sacrifícios, até que porcentagens estariam dispostos a fazê-lo?
Do bruto ou do líquido?
Seriam os primeiros deputados
milionários a segunda linha do terceiro setor? Ou uma organização legislativa não-governamental em benefício do capital?
É mais fácil um milionário entrar
eleito no Congresso Nacional, um rico passar pelo buraco de uma agulha
de tricô ou um pobre de um camelo
ganhar trotando um lugar no reino
dos céus?
Um deputado milionário é necessariamente materialista ou convenientemente espiritualista?
Supondo, apenas supondo, que todo homem tem seu preço, quantas
malas de dinheiro seriam necessárias para comprar as vulgaridades de
tais autoridades? Quantos jatinhos
emprestados seriam empregados no
transporte de fundos polpudos para
dar em orgia infernal num paraíso
fiscal ou distrito federal?
Um Congresso de milionários daria lucro? Em prejuízo de quem?
Esse raciocínio é um absurdo?
Qual deles?
Quanto à justiça, é fato ponderado
que os deputados milionários não
serão diferentes perante a lei, mas é
garantido que a lei seja totalmente
indiferente diante deles?
Se o luxo for para todos, quem pagará o pato dos desgraçados?
Os congressistas milionários seriam menos tentados que os outros
mais otários porque teriam nascido
em berço de ouro?
Enfim, considerando que o número de eleitores lamentavelmente excede o de milionários, em nome de
quem esses deputados pretendem
legislar? Em causa própria? Alheia?
É caso de esquizofrenia?
Que espécie de baixaria se pode
esperar de gente deste nível?
Seriam os deuses astronautas, os
economistas alquimistas e os deputados milionários os verdadeiros revolucionários a redimirem os demais miseráveis como a si mesmos?
De todo modo, oficialmente, os
congressistas milionários serão pessoas muito importantes como qualquer um de nós.
Champanhe, por favor!
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