São Paulo, terça-feira, 26 de dezembro de 2006

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FERNANDO BONASSI

Reflexões baratas


Um Congresso de milionários daria lucro? Em prejuízo de quem? Esse raciocínio é um absurdo?

CONSIDERANDO que de muita miséria e degradação nem mesmo os poucos intelectuais carnavalescos em extinção andam gostando, um Congresso de deputados milionários parece ser mesmo a mais autêntica representação da íntima vontade, ou fantasia de verdade, deste povo...
Decisões das urnas e dos seres supremos não se discutem, se com... Quer dizer, se cumpre; mas a originalidade deste resultado eleitoral faz com que até mesmo o mais amoral dos cientistas apolíticos esteja se perguntando entre teses e antíteses acadêmicas:
Se um deputado milionário tem tudo a perder com os proventos insuficientes que se pagam em proveito os seus colegas de trabalho, o que teriam a ganhar com uma remuneração de esfomeados?
Que status os deputados milionários pretendem dar ao programa Fome Zero?
O que conteria uma cesta básica para um deputado milionário?
Considerando suas mais singelas despesas pessoais, qual seria o mínimo salário votado pelos deputados milionários? Suas rendas seriam portuguesas, chinesas, suecas ou britânicas?
Que espécie de bom conceito alguns deputados milionários farão da mais abjeta pobreza em que mal vivem milhões de brasileiros? A quem eles atribuiriam a sorte desses tantos outros? Ao azar deles próprios?
Os congressistas milionários dos diversos Estados da Federação distribuiriam suas riquezas como distribuem terra os latifundiários pernambucanos e maranhenses? Ou seria mais parecido com as benesses que os banqueiros paulistas pagam aos seus correntistas e o que os rentistas cariocas fazem de suas divisas, engarrafando-as e exportando-as para ambientes mais salubres ao seu próprio patrimônio?
Se os congressistas milionários administrarem o patrimônio público que resta de acordo com a eficiência que administram aquelas muitas coisas privadas que arrendam, o que será da existência e da baixa rentabilidade dos pobres coitados? Usariam terno e gravata? Seriam comprados e incluídos ou vendidos e excluídos como sucata?
Se a pátria amada exigir seus maiores sacrifícios, até que porcentagens estariam dispostos a fazê-lo? Do bruto ou do líquido?
Seriam os primeiros deputados milionários a segunda linha do terceiro setor? Ou uma organização legislativa não-governamental em benefício do capital?
É mais fácil um milionário entrar eleito no Congresso Nacional, um rico passar pelo buraco de uma agulha de tricô ou um pobre de um camelo ganhar trotando um lugar no reino dos céus?
Um deputado milionário é necessariamente materialista ou convenientemente espiritualista?
Supondo, apenas supondo, que todo homem tem seu preço, quantas malas de dinheiro seriam necessárias para comprar as vulgaridades de tais autoridades? Quantos jatinhos emprestados seriam empregados no transporte de fundos polpudos para dar em orgia infernal num paraíso fiscal ou distrito federal?
Um Congresso de milionários daria lucro? Em prejuízo de quem?
Esse raciocínio é um absurdo?
Qual deles?
Quanto à justiça, é fato ponderado que os deputados milionários não serão diferentes perante a lei, mas é garantido que a lei seja totalmente indiferente diante deles?
Se o luxo for para todos, quem pagará o pato dos desgraçados?
Os congressistas milionários seriam menos tentados que os outros mais otários porque teriam nascido em berço de ouro?
Enfim, considerando que o número de eleitores lamentavelmente excede o de milionários, em nome de quem esses deputados pretendem legislar? Em causa própria? Alheia? É caso de esquizofrenia?
Que espécie de baixaria se pode esperar de gente deste nível?
Seriam os deuses astronautas, os economistas alquimistas e os deputados milionários os verdadeiros revolucionários a redimirem os demais miseráveis como a si mesmos?
De todo modo, oficialmente, os congressistas milionários serão pessoas muito importantes como qualquer um de nós.
Champanhe, por favor!


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