São Paulo, sábado, 26 de dezembro de 2009

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Crítica/"Alice no País das Maravilhas"

Nova edição tem boas ilustrações e tradução criativa

Evita-se, com acerto, a tentação fácil de fazer da obra de Lewis Carroll apenas um "conto de fadas" para crianças

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Os fãs de "Alice no País das Maravilhas" não têm do que se queixar. Além do filme de Tim Burton, que deve estrear entre março e abril de 2010 (o trailer já pode ser visto na internet), saiu nos Estados Unidos uma nova adaptação em quadrinhos da obra de Lewis Carroll, feita com muita delicadeza pela brasileira Erika Awano (editora Dynamite Entertainment).
No Brasil, a editora Cosac Naify lança o livro em ótima tradução do historiador (e autor de contos infantis) Nicolau Sevcenko (168 págs., R$ 45; edição de colecionador por R$ 89). Mesmo quem possuir a versão anterior de Sevcenko para esse clássico, publicada pela Scipione em 1992, não se arrependerá de gastar um bocado com essa nova publicação.
O formato das páginas imita o de uma carta de baralho, e as ilustrações de Luiz Zerbini criam maravilhas próprias de imaginação ao se organizarem em torno do tema.
Rainhas e valetes, ouros e copas, castelos e padrões gráficos os mais variados não deixam de expressar perfeitamente o mundo, ao mesmo tempo matemático e imprevisto, lúdico e vicioso, meio sem começo nem fim, em que a menina Alice foi se meter.
Evita-se, com acerto, a tentação fácil de fazer da obra de Lewis Carroll apenas um "conto de fadas" para crianças, embora estas possam igualmente apreciar a beleza das ilustrações e o texto acessível da tradução.

Apelo visual
Quando criança, aliás, nunca me dei muito bem com aquela história, que "entrava por uma porta e saía por outra", sem ter, para mim, nem pé nem cabeça.
Sem dúvida, o apelo de "Alice no País das Maravilhas" não está no lado "romanesco", aventuroso da história. É muito mais visual -seja nas implicações sinistras e oníricas em que Tim Burton está pronto a se aprofundar, com Johnny Depp no papel de Chapeleiro Maluco, seja no constante jogo das transformações corporais e de cenários, que se presta igualmente aos antigos delírios de Walt Disney (o desenho animado é de 1951), como também às adaptações eróticas em quadrinhos que circulam por aí.
Além da fantasia visual, o livro de Carroll atrai os interessados em jogos de linguagem e paradoxos lógicos.
A filosofia analítica, que tantas vezes se assemelha a uma forma fascinante de pedofilia intelectual, costuma encontrar tesouros nesse texto; a psicanálise faz outro tanto.
A partir desse foco de interesse, a melhor "Alice" em português continua sendo a de Maria Luiza Borges, que traz os minuciosos comentários de Martin Gardner, num livro bastante taludo que a editora Jorge Zahar publicou em 2002.

Crianças e adultos
Na elegante e simpática contracapa da tradução de Sevcenko, a escritora Ana Maria Machado, também tradutora de Alice, compara seu próprio trabalho com a presente edição. "Entre as boas traduções existentes, a de Nicolau Sevcenko se situa entre as mais criativas." Não se dirige, diz Ana Maria Machado, "preferencialmente ao adulto (como a de Sebastião Uchoa Leite) nem à criança brasileira (como a minha), mas se equilibra (...) numa delicada corda-bamba".
Sem dúvida, o adulto que não tiver vontade de se perder em notas e comentários filosóficos, como os de Martin Gardner, conta agora com uma edição lindíssima e com um texto cuja naturalidade e fluência, bem maiores que na tradução de Uchoa Leite, não banalizam a obra. Serve para o leitor pequeno e para o mais crescido.


Avaliação: bom



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