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Crítica/"Alice no País das Maravilhas"
Nova edição tem boas ilustrações e tradução criativa
Evita-se, com acerto, a tentação fácil de fazer da obra de Lewis Carroll apenas um "conto de fadas" para crianças
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Os fãs de "Alice no País
das Maravilhas" não
têm do que se queixar.
Além do filme de Tim Burton,
que deve estrear entre março e
abril de 2010 (o trailer já pode
ser visto na internet), saiu nos
Estados Unidos uma nova
adaptação em quadrinhos da
obra de Lewis Carroll, feita
com muita delicadeza pela brasileira Erika Awano (editora
Dynamite Entertainment).
No Brasil, a editora Cosac
Naify lança o livro em ótima
tradução do historiador (e autor de contos infantis) Nicolau
Sevcenko (168 págs., R$ 45; edição de colecionador por R$ 89).
Mesmo quem possuir a versão
anterior de Sevcenko para esse
clássico, publicada pela Scipione em 1992, não se arrependerá
de gastar um bocado com essa
nova publicação.
O formato das páginas imita
o de uma carta de baralho, e as
ilustrações de Luiz Zerbini
criam maravilhas próprias de
imaginação ao se organizarem
em torno do tema.
Rainhas e valetes, ouros e copas, castelos e padrões gráficos
os mais variados não deixam de
expressar perfeitamente o
mundo, ao mesmo tempo matemático e imprevisto, lúdico e
vicioso, meio sem começo nem
fim, em que a menina Alice foi
se meter.
Evita-se, com acerto, a tentação fácil de fazer da obra de Lewis Carroll apenas um "conto
de fadas" para crianças, embora
estas possam igualmente apreciar a beleza das ilustrações e o
texto acessível da tradução.
Apelo visual
Quando criança, aliás, nunca
me dei muito bem com aquela
história, que "entrava por uma
porta e saía por outra", sem ter,
para mim, nem pé nem cabeça.
Sem dúvida, o apelo de "Alice
no País das Maravilhas" não está no lado "romanesco", aventuroso da história. É muito
mais visual -seja nas implicações sinistras e oníricas em que
Tim Burton está pronto a se
aprofundar, com Johnny Depp
no papel de Chapeleiro Maluco,
seja no constante jogo das
transformações corporais e de
cenários, que se presta igualmente aos antigos delírios de
Walt Disney (o desenho animado é de 1951), como também às
adaptações eróticas em quadrinhos que circulam por aí.
Além da fantasia visual, o livro de Carroll atrai os interessados em jogos de linguagem e
paradoxos lógicos.
A filosofia analítica, que tantas vezes se assemelha a uma
forma fascinante de pedofilia
intelectual, costuma encontrar
tesouros nesse texto; a psicanálise faz outro tanto.
A partir desse foco de interesse, a melhor "Alice" em português continua sendo a de Maria Luiza Borges, que traz os
minuciosos comentários de
Martin Gardner, num livro bastante taludo que a editora Jorge
Zahar publicou em 2002.
Crianças e adultos
Na elegante e simpática contracapa da tradução de Sevcenko, a escritora Ana Maria Machado, também tradutora de
Alice, compara seu próprio trabalho com a presente edição.
"Entre as boas traduções existentes, a de Nicolau Sevcenko
se situa entre as mais criativas."
Não se dirige, diz Ana Maria
Machado, "preferencialmente
ao adulto (como a de Sebastião
Uchoa Leite) nem à criança
brasileira (como a minha), mas
se equilibra (...) numa delicada
corda-bamba".
Sem dúvida, o adulto que não
tiver vontade de se perder em
notas e comentários filosóficos,
como os de Martin Gardner,
conta agora com uma edição
lindíssima e com um texto cuja
naturalidade e fluência, bem
maiores que na tradução de
Uchoa Leite, não banalizam a
obra. Serve para o leitor pequeno e para o mais crescido.
Avaliação: bom
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