São Paulo, sábado, 27 de janeiro de 2007

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Crítica/ensaio

Estudo revê crítica de Mário de Andrade

MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA

Mário de Andrade (1893-1945), escritor e crítico modernista por excelência, e Monteiro Lobato (1882-1948), autor de uma violenta condenação às "cubices" de Anita Malfatti em 1917, ocupam lugares opostos na discussão estética do século 20 brasileiro.
Nem tanto, afirma Tadeu Chiarelli em "Pintura Não É Só Beleza". No seu livro anterior sobre a crítica de arte de Monteiro Lobato, "Um Jeca nos Vernissages" (Edusp), Chiarelli matizara com empenho e minúcia a idéia de que Lobato era um simples panfletista reacionário em matéria estética.
Afinal, o autor de "Paranóia ou Mistificação" foi também um entusiasta da escultura de Victor Brecheret (1894-1955), e buscava, sobretudo, que as artes plásticas brasileiras dessem conta da realidade brasileira -e, dessa ótica, os quadros de Almeida Júnior (1850-99), com seus caipiras picando fumo, teriam mais a nos ensinar do que o cubismo de "Picasso e cia.".

Identificação com Lobato
Analisando agora a crítica de Mário de Andrade, Chiarelli descobre mais pontos de identificação do que de divergência entre Lobato e o modernista.
Também para Mário de Andrade, Almeida Júnior reaparece, ao lado do Aleijadinho, como etapa importante na constituição de uma arte verdadeiramente nacional; mais do que isso, Chiarelli enfatiza as constantes restrições feitas por Mário de Andrade à arte abstrata e ao surrealismo.
Criticando as formas extremadas que a arte moderna assumira em princípios do século 20, e considerando o abstracionismo uma coisa que servia apenas para "estetas refinados e velhas milionárias", Mário de Andrade identificava-se, como nota Chiarelli, com as tendências do "retorno à ordem" em voga nos anos 30, exemplificadas no neoclassicismo de Pablo Picasso.
A pintura de Candido Portinari (1903-1962) seria então destacada por Mário de Andrade pelo seu realismo, pelo que expressa da autêntica alma brasileira, e não pelas rupturas estéticas que pudesse ter representado para nosso meio. Relidas a uma distância histórica de mais de 70 anos, as intervenções de Mário de Andrade no debate artístico sem dúvida nos parecem excessivamente moderadas, conservadoras até. Cabe perguntar, contudo, se este livro não força demais a interpretação.
Para um público que pensava, como Lobato, que a arte de Malfatti só podia ser loucura ou brincadeira, Mário de Andrade procurava justamente chamar a atenção para o que havia, na arte moderna, de compromisso sério com o real.

Pregação pelo realismo
Isso não é a mesma coisa que dizer, como faz Tadeu Chiarelli, que Mário de Andrade estivesse envolvido na "pregação por uma arte de fundo clássico/realista". A fraseologia, construída com sutileza ao longo da argumentação do autor, termina dissipando qualquer diferença fundamental entre Mário e Lobato, entre Portinari e Almeida Júnior, ou, se quisermos, Fídias.
De fato, Chiarelli identifica, em última instância, a arte de Portinari com os ideais neoclássicos de Winckelmann em torno da "nobre simplicidade e da grandeza serena". Para quem pintou quadros como "Retirantes", o livro de Chiarelli -ao qual faltam, infelizmente, reproduções das obras citadas- não deixa de impor uma ousada deformação.


PINTURA NÃO É SÓ BELEZA - A CRÍTICA DE ARTE DE MÁRIO DE ANDRADE    
Autor: Tadeu Chiarelli
Editora: Letras Contemporâneas
Quanto: R$ 46 (328 págs.)


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