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Crítica/ensaio
Estudo revê crítica de Mário de Andrade
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Mário de Andrade
(1893-1945), escritor
e crítico modernista
por excelência, e Monteiro Lobato (1882-1948), autor de uma
violenta condenação às "cubices" de Anita Malfatti em 1917,
ocupam lugares opostos na discussão estética do século 20
brasileiro.
Nem tanto, afirma Tadeu
Chiarelli em "Pintura Não É Só
Beleza". No seu livro anterior
sobre a crítica de arte de Monteiro Lobato, "Um Jeca nos
Vernissages" (Edusp), Chiarelli
matizara com empenho e minúcia a idéia de que Lobato era
um simples panfletista reacionário em matéria estética.
Afinal, o autor de "Paranóia
ou Mistificação" foi também
um entusiasta da escultura de
Victor Brecheret (1894-1955), e
buscava, sobretudo, que as artes plásticas brasileiras dessem
conta da realidade brasileira
-e, dessa ótica, os quadros de
Almeida Júnior (1850-99), com
seus caipiras picando fumo, teriam mais a nos ensinar do que
o cubismo de "Picasso e cia.".
Identificação com Lobato
Analisando agora a crítica de
Mário de Andrade, Chiarelli
descobre mais pontos de identificação do que de divergência
entre Lobato e o modernista.
Também para Mário de Andrade, Almeida Júnior reaparece,
ao lado do Aleijadinho, como
etapa importante na constituição de uma arte verdadeiramente nacional; mais do que isso, Chiarelli enfatiza as constantes restrições feitas por Mário de Andrade à arte abstrata e
ao surrealismo.
Criticando as formas extremadas que a arte moderna assumira em princípios do século
20, e considerando o abstracionismo uma coisa que servia
apenas para "estetas refinados
e velhas milionárias", Mário de
Andrade identificava-se, como
nota Chiarelli, com as tendências do "retorno à ordem" em
voga nos anos 30, exemplificadas no neoclassicismo de Pablo
Picasso.
A pintura de Candido Portinari (1903-1962) seria então
destacada por Mário de Andrade pelo seu realismo, pelo que
expressa da autêntica alma brasileira, e não pelas rupturas estéticas que pudesse ter representado para nosso meio. Relidas a uma distância histórica de
mais de 70 anos, as intervenções de Mário de Andrade no
debate artístico sem dúvida nos
parecem excessivamente moderadas, conservadoras até. Cabe perguntar, contudo, se este
livro não força demais a interpretação.
Para um público que pensava, como Lobato, que a arte de
Malfatti só podia ser loucura ou
brincadeira, Mário de Andrade
procurava justamente chamar
a atenção para o que havia, na
arte moderna, de compromisso
sério com o real.
Pregação pelo realismo
Isso não é a mesma coisa que
dizer, como faz Tadeu Chiarelli, que Mário de Andrade estivesse envolvido na "pregação
por uma arte de fundo clássico/realista". A fraseologia,
construída com sutileza ao longo da argumentação do autor,
termina dissipando qualquer
diferença fundamental entre
Mário e Lobato, entre Portinari
e Almeida Júnior, ou, se quisermos, Fídias.
De fato, Chiarelli identifica,
em última instância, a arte de
Portinari com os ideais neoclássicos de Winckelmann em
torno da "nobre simplicidade e
da grandeza serena". Para
quem pintou quadros como
"Retirantes", o livro de Chiarelli -ao qual faltam, infelizmente, reproduções das obras citadas- não deixa de impor uma
ousada deformação.
PINTURA NÃO É SÓ BELEZA - A CRÍTICA DE ARTE DE MÁRIO DE ANDRADE
Autor: Tadeu Chiarelli
Editora: Letras Contemporâneas
Quanto: R$ 46 (328 págs.)
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