São Paulo, quarta, 27 de janeiro de 1999

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Piveti lança seu primeiro álbum pós-prisão

Divulgação
O rapper Piveti, que, após dois anos na prisão, está lançando o CD "Elos da Vida", com seu parceiro, Branco


XICO SÁ
da Reportagem Local

Depois de dois anos de prisão, Piveti, 23, um dos principais nomes do rap paulistano, tem apenas um enigma para responder: a vida na periferia imita as letras de rap ou o rap imita a vida na periferia?
A resposta para esta e outras perguntas está no disco novo que acaba de chegar à praça. "Elos da Vida", em parceria com o amigo Branco, com quem esteve na formação inicial do Pavilhão 9.
A dupla da Zona Sul de São Paulo propõe uma nova quebrada musical para o rap brasileiro, o enriquecimento das rimas (Branco combina a esperteza do "gato das pilhas Eveready" com um soco de "Mohamad") e o fim das chamadas"muletas", como o repetitivo "pá-pá-pá" das letras.
Piveti critica a falta de solidariedade dos "manos" em geral. "Essa história de movimento rap é uma farsa. Quando estava preso, ninguém passou nem na porta do presídio", diz. Para o rapper, a maioria dos grupos nacionais não busca caminhos próprios, limitando-se a copiar os Racionais MCs.
Um dos primeiros artistas a se definir no Brasil como "gangsta" (corrente do rap americano que prega a violência), Piveti agora se diz sossegado. Não quer "treta" com ninguém, quer paz, mas com polêmica e um "debate saudável" sobre os rumos do hip hop. Polêmica, aliás, é o que não falta nas declarações do rapper.

MOVIMENTO RAP - "Eu não vi um rapper cruzar o portão do presídio e levar uma bolacha para mim. Sempre falaram que existia um movimento rap unido. Que união, rapaz?!
Eu sou um dos pioneiros do rap. Todos sabiam onde eu estava. Todos sabiam o endereço. Quem foi fazer passeata em frente do presídio, quem ficou 24 horas lá na frente, quem foi quebrar o presídio? Quem foi pedir a presença do juiz?
O movimento rap não pode me cobrar nada. Tem muita gente falando o que não viveu."

ESTÉTICA McDONALD'S - "Vem desde o tempo em que formamos o Pavilhão 9. A gente (fala em coro com Branco) já fez o Pavilhão para quebrar a monotonia. Mesmo quando fiz o "Ex-Detento', em 94, um disco mais autobiográfico, eu já estava preocupado com a levada.
Saí metendo um bocado de frase, tipo McDonald's, fazendo sanduíche, rapidinho. Aí fiz o disco, precisava entrar no mercado. Não deixei a desejar. Hoje em dia nem escuto rap nacional, é quase tudo muito ruim. Rima fraca, lamentação e nada de criatividade."

COM E SEM BANDA - "O primeiro cara a fazer essa mistura fui eu. Mas as coisas mudam e os valores mudam. Hoje eu acho que, se é rock, é rock. Se é rap, é rap. Se quiser fazer uma participação especial, tudo bem. Se eu estiver em um baile, com o Max, do Soulfly, tocando, e ele me chamar ao palco, eu vou."

A PRISÃO -"A Comissão de Direitos Humanos deu a maior força, conseguindo a minha liberdade condicional. Ano que vem, entraremos com um pedido de anulação do processo. Meu advogado foi Luiz Eduardo Greenhalg (deputado federal do PT). Como praticamente não tinha tido advogado de defesa, fui condenado a quatro anos e meio, por um ato que não pratiquei -roubo de carro. Não houve defesa formalizada. Tudo começou em 8 de dezembro de 95, quando saí com um carro que estava em poder de um amigo. A polícia me acusou de roubar o carro. Não tinha nada a ver com a história. Mas até provar..."

O INFERNO - - "Eu sou o verdadeiro sobrevivente. A prisão é um inferno, mas eu soube me relacionar com os outros. Ter jogo de cintura. E muitos já tinham ouvido falar de mim. O fato de ser rapper piorou a minha vida em relação à polícia, mas não na convivência com os outros detentos. Eles me respeitavam."

MULHER PELADA - "Esse cara (fala dirigindo-se a Branco, seu parceiro) aprontava as maiores sacanagens. Eu lá na grade e ele me mandando cartas com fotos de mulheres peladas. E ainda dizia que estava cheio de mulheres, tomando cerveja gelada. Mas de lá, também por carta, trocamos idéias sobre o disco."

PERIFERIA - "A periferia não é só miséria e crime. Todo mundo sabe que tem isso aqui, mas a periferia também é diversão, baile, amizade, gente na rua, no boteco. Não podemos ficar falando de bandido o tempo todo. Os jovens, que têm os rappers como exemplo, podem entender mal, achar que é exaltação."



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