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São Paulo, quinta-feira, 27 de fevereiro de 2003

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ARTES PLÁSTICAS

Mineira Rivane Neuenschwander é primeira brasileira convidada a expor no Palais de Tokyo, em Paris

Mostra estimula troca entre coisas e formas

ALCINO LEITE NETO
DE PARIS

O Palais de Tokyo, principal espaço de arte contemporânea de Paris, apresenta a partir de hoje a sua primeira exposição de um artista brasileiro. Rivane Neuenschwander foi a escolhida. A exibição leva a um patamar alto a expressão internacional desta mineira de 35 anos, descendente de suíços, revelada em 1994 pelo projeto "Antarctica Artes com a Folha".
A exposição "Superficial Resemblance" (Semelhança Superficial) será aberta hoje para o público numa área de 250 m2, organizada com seis trabalhos -quatro deles inéditos. O convite para que Rivane expusesse no Palais de Tokyo (www.palaisdetokyo.com), feito pelo diretor Jérôme Sans, aconteceu antes mesmo da inauguração do espaço, em janeiro de 2002.
Grandes caixas de madeira estavam espalhadas pelo local na última terça-feira, com os trabalhos que Rivane trouxe do Brasil. Ela abre uma delas e mostra cem desenhos da Torre Eiffel feitos por não-artistas. Nos últimos dois meses, ela montou uma "banca" em faculdades de Belo Horizonte, onde anunciava: "Compro desenhos da Torre Eiffel por R$ 1".
"Os desenhos são a memória ou a imaginação que as pessoas têm da Torre Eiffel", diz Rivane. Eles fazem parte de "Ici Là-bas Aqui Acolà", composto também de uma escada de metal que leva o visitante até o alto de uma janela de onde ele pode avistar um pedaço da verdadeira Torre Eiffel.
De outra caixa, ela tira 50 sacolas populares de feira. Elas compõem a surpreendente série "- - - - - - - - - - Product of", um trabalho decididamente pictórico de Rivane.
Das sacolas que traziam anúncios de produtos, com ilustrações "naives", frases e marcas, ela limpou com tíner tudo que era palavra, mantendo apenas os desenhos figurativos ou geométricos, os quais reforçou com tintas da mesma cor que o original.
O resultado é extraordinário. As imagens flutuam sobre a superfície branca das sacolas, cuja textura plástica parece uma tela rústica. Elas expõem figurações provincianas ao lado de formas abstratas, como se tentassem conciliar o pop brasileiro com a arte construtiva-concretista, acrescentando a ambos questões contemporâneas. A obra pode se transformar num marco da pintura brasileira.
Outro trabalho inédito da artista é "I Wish Your Wish" (Eu Desejo o Seu Desejo), na entrada da mostra. Ao longo de uma parede, ela afixou centenas de fitinhas, como as do Senhor do Bonfim, em várias cores, onde estão impressos 40 desejos que foram confiados a ela por outras pessoas.
"Eu desejo dizer um sim incondicional", diz uma das fitas. O visitante poderá levar uma fita, se quiser. "Eu queria que as pessoas carregassem o desejo do outro. O desejo da gente é um pouco o desejo do outro", diz Rivane.
As pessoas carregarão o desejo alheio como os peixes carregam palavras de uma carta de amor no vídeo "Love Lettering" (Escrevendo Cartas de Amor), realizado pela artista no ano passado, com o seu irmão, o neurologista Sergio Neuenschwander. O vídeo é um dos destaques, exibido numa área que a artista pintou de azul.
São azuis também os canudos (de refrigerantes) que compõem uma escultura realizada por Rivane. A escultura se estende, com sua forma fractal, de uma mesa "de boteco" até outra mesa, encontrando então uma escultura parecida feita com canudos vermelhos. "São como duas pessoas conversando uma conversa confusa", diz Rivane.
São como duas formas semelhantes que conversam, ou tentam se corresponder. Um desejo de correspondência, de enlace, entre coisas e formas e entre imaginários e experiências dá o tom. Um desejo apenas, uma promessa talvez, pois a arte não vive de utopias. Rivane produz semelhanças na superfície para trazer à tona as diferenças intransponíveis.


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