São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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Estatueta não é para galãs

Academia tem histórico de preterir bonitões na disputa e só elegê-los quando ficam mais velhos; setentão, Clint Eastwood pode ganhar de DiCaprio

TOM O'NEIL
DO "NEW YORK TIMES"

A disputa pelo Oscar de melhor ator neste ano encerra uma curiosidade: entre os candidatos mais bem cotados há vários galãs e poucos vencedores anteriores. Nem Leonardo DiCaprio ("O Aviador") nem Johnny Depp ("Em Busca da Terra do Nunca") têm uma estatueta dourada para enfeitar suas casas.
De fato, apesar de sua popularidade junto ao público e à mídia, são poucos os galãs do cinema que já obtiveram o reconhecimento da Academia. James Dean, Kirk Douglas, Harrison Ford, Cary Grant, Rock Hudson e John Travolta já carregaram filmes incontáveis em suas costas, mas nunca ganharam um Oscar. Richard Gere, Errol Flynn, Tyrone Power e os dois Douglas Fairbanks nunca chegaram nem sequer a ser indicados, apesar de Fairbanks pai ter sido o primeiro presidente da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
Parece que o mundo pode ser cruel para quem tem beleza, fama, dinheiro e a companhia de todas as modelos e atrizes bonitas em vista. Já no caso da disputa em melhor atriz e atriz coadjuvante, o páreo parece ser dominado por jovens lindas. Por que, então, os eleitores do Oscar parecem querer castigar os bonitões?
Não há como saber ao certo. Mas vale notar que a maioria dos membros da Academia é formada por homens de mais de 40 anos de idade e que guardam pouca semelhança física com Tom Cruise.
Falando em Tom Cruise, será que algum dia ele vai ganhar?
Até agora Tom Cruise já perdeu três vezes a disputa pelo Oscar de ator principal e ator coadjuvante, nos filmes "Jerry Maguire", "Nascido em 4 de Julho" e "Magnólia" (enquanto isso, pouco após seu casamento com Nicole Kidman ter chegado ao fim, ela foi coroada por sua atuação em "As Horas").
A julgar pelo que aconteceu com outro astro e corredor de automóveis, Cruise não deve ter seu dia de glória tão cedo. Paul Newman só conseguiu alcançar a linha de chegada quando tinha 62 anos e, aparentemente, seu gás já se esgotara. Após assistir a seis cerimônias como indicado e deixar o teatro de mãos vazias em todas, Newman nem se deu ao trabalho de comparecer na noite em que finalmente conseguiu o prêmio por "A Cor do Dinheiro" (86).
O ator comentou com jornalistas que sua busca pela estatueta foi "como passar 80 anos correndo atrás de uma linda mulher". "Quando finalmente cede, você diz: "Sinto muitíssimo, cansei'".
Então será que a idade passa à frente da beleza?
Em muitos casos, sim. Depois de sete derrotas, Al Pacino acabou conquistando o Oscar aos 52 anos, por "Perfume de Mulher". John Wayne ("Bravura Indômita") tinha 62 anos quando derrotou Jon Voight ("Perdidos na Noite"), que finalmente triunfou aos 40 com "Amargo Regresso", derrotando outro galã eterno, Warren Beatty, que até hoje ainda não recebeu um Oscar de ator.
Mas Beatty foi premiado na categoria de direção, assim como quatro outros ídolos de matinês: Robert Redford ("Gente como a Gente"), Mel Gibson ("Coração Valente"), Kevin Costner ("Dança com Lobos") e Clint Eastwood ("Os Imperdoáveis").
Falando nele, alguns críticos consideram a performance de Eastwood em "Menina de Ouro", que ele também dirige, a melhor de sua carreira de ator, mas ele foi desprezado recentemente nas categorias de atuação do Globo de Ouro, nas quais, aliás, nunca foi nem sequer indicado.
Alguém já fugiu dessa regra?
Sim, alguns: Robert de Niro ("O Poderoso Chefão 2", "Touro Indomável"), Michael Douglas ("Wall Street"), Clark Gable ("Aconteceu naquela Noite"), Charlton Heston ("Ben-Hur") e Denzel Washington ("Tempos de Glória", "Dia de Treinamento").
Talvez Gary Cooper pudesse se encaixar nessa categoria, mas ele tinha 41 anos quando foi oscarizado por "Sargento York" e 52 quando ganhou por "Matar ou Morrer". Ou Sean Penn, que tinha 43 quando levou o Oscar no ano passado, por "Sobre Meninos e Lobos", após três derrotas.
Mas será que a culpa é do ator?
Talvez. Alguns especialistas acham que foi por ter se negado a fazer campanha que Marlon Brando foi o único protagonista de "Um Bonde Chamado Desejo" a não ter recebido um Oscar.
Quando suas duas indicações seguintes -por "Viva Zapata!" e "Julius Caesar"- também não deram em nada, o ator recluso resolveu se enquadrar nas regras. Ele chegou a assistir à entrega do Globo de Ouro em 1954, quando foi indicado por "Sindicato de Ladrões" e, em seguida, recebeu seu primeiro Oscar. Dezoito anos mais tarde, quando ganhou de novo por "O Poderoso Chefão", voltou a manifestar desprezo pelo prêmio, recusando a estatueta.
Como Marlon Brando, Johnny Depp tem se recusado a fazer campanha por "Em Busca da Terra do Nunca". No ano passado, Depp estava bem menos distante da mídia, e a estratégia funcionou: teve sua primeira indicação ("Piratas do Caribe - A Maldição do Pérola Negra"). Hoje à noite, ele corre, ao lado de Don Cheadle ("Hotel Rwanda"), como azarão.


Tradução Clara Allain


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