São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

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Arquivo morto

Gravadoras investem menos no próprio acervo e desaceleram projetos para editar e lançar em formato digital títulos perdidos na era dos LPs

Pedro Carrilho/Folha Imagem
O músico Charles Gavin, que busca títulos para relançar nas gravadoras

MARCUS PRETO
COLABORAÇÃO PARA FOLHA

Nadando contra a corrente do atual mercado de música, dez álbuns gravados entre 1958 e 1980 por Alaíde Costa, Angela Maria, Beth Carvalho, Cauby Peixoto, Dalva de Oliveira, Elizeth Cardoso, João Nogueira, Paulo Sérgio, Rosinha de Valença e Taiguara são transformados em CD pela primeira vez. Lançados pela EMI, eles chegam às lojas com repertório e projetos gráficos fiéis às versões originais.
Essa linha de edição, que traz para o formato digital títulos que estavam há muito tempo perdidos na era do LP, vem sendo gradualmente freada pelas gravadoras. E beira estacionar. O alerta vem dos principais profissionais que, contratados pelas próprias empresas, têm se dedicado a esse tipo de projeto na última década.
"Comecei a trabalhar com isso em 1998 e, desde então, consegui emplacar reedições em todas as gravadoras, todos os anos", lembra Charles Gavin, 48, baterista dos Titãs e um dos primeiros a garimpar os acervos das companhias de disco. "No ano passado, mesmo com o gancho do cinquentenário da bossa nova, não consegui emplacar nada -e olha que tentei em todas elas."
Gavin lembra que, mais que mero prazer saudosista, a recuperação desses álbuns perdidos oxigena os artistas do presente e prepara a música do futuro. "Tom Zé só passou a ser regravado quando seus discos voltaram em formato de CD. O mesmo vale para os Novos Baianos, João Donato, Marcos Valle...", enumera. "A nova geração de músicos do Brasil só está sendo influenciada por esses mestres porque teve, de novo, acesso a eles. E a gente não pode deixar isso parar."
Marcelo Froes, 42, outro veterano da área, também sentiu a queda. "Os anos de 2002/ 2003 foram os mais ativos para mim. São dessa época os boxes de Zé Ramalho, Fagner, Erasmo Carlos, Nara Leão, Gilberto Gil e Elza Soares", diz. "Diversos outros projetos foram preparados e nunca saíram. Reedições passam por uma questão de política interna, a tal "vontade de fazer", que independe do interesse comercial."

Devagar e sempre
Para Thiago Marques Luiz, 29, responsável pelos dez títulos que a EMI lança agora, não se trata de descaso das gravadoras. "Elas simplesmente não conhecem o próprio acervo", diz. "Um diretor de marketing não tem obrigação de saber que o primeiro LP da Dalva de Oliveira está inédito em CD e é bacana para o público dela."
Para Jorge Lopes, 50, do marketing estratégico da EMI, o que torna esse tipo de produto pouco viável é uma questão de "tempo na prateleira". "Ainda que os discos não encalhem e acabem sempre se pagando, o giro deles é muito lento", diz. "Estou com esse disco da Dalva na mão agora. Foram fabricados mil. Daqui a dois meses, eu te conto quantos tenho no estoque: serão no mínimo 500."
Outro pesquisador requisitado, Rodrigo Faour, 36, diz que a crise atingiu até os projetos relacionados a artistas de grande apelo popular. "Há anos eu tento relançar todos os álbuns da Simone, mas não consegui até agora. E olha que ela foi a maior vendedora de discos dos anos 80", lembra ele, que conseguiu viabilizar recentemente a caixa "Camaleão", com os 17 álbuns de Ney Matogrosso.
Procuradas pela Folha, as cinco principais gravadoras atuantes no Brasil afirmam que vão continuar relançando material de acervo -só que com mais cuidado.
"Essa história de reedição começou de uma forma apocalíptica, como se o mundo físico fosse acabar e tivéssemos que lançar tudo enquanto havia tempo", diz Fernanda Brandt, 27, da Warner. "Já vimos que não é assim. A indústria está em crise, mas ela não vai acabar. Os catálogos estão sendo usados com mais moderação. E as coisas devem permanecer assim, devagar e sempre."


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