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LIVROS
Crítica/ "Granta - Volume 5"
Contos abordam as relações familiares de forma realista
Variedade das histórias favorece a identificação do leitor com os personagens
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O quinto número da revista "Granta" em português é dedicado ao
tema da família e se inspira na
edição inglesa, de 1991, cujo título era "Family, They Fuck
You Up". É sintomático que tenham sumido com a segunda
parte do título. No Brasil, a família é sagrada e não fode com
ninguém, nem literariamente.
A coleção traz 11 contos (e
um ensaio fotográfico) fiéis à linha editorial de privilegiar a
abordagem realista. O conjunto, mais do que cada um dos
contos, é gostoso de ler. A variedade em torno do assunto sobre o qual todos têm o que palpitar e com o que se identificar
favorece a leitura.
A principal figura dos contos
é a mãe, seguida por tios, pais,
filhos, esposas, agregados, além
da governanta e de um gato.
Curiosamente, não aparece a
principal vilã da família, a madrasta, e tampouco a amante, a
não ser incidentalmente, no
conto de Amy Bloom. Novos
tempos ou amostragem pouco
representativa?
Por azar, os autores brasileiros não saem do horizonte típico: a descoberta erótica (Zuenir
Ventura), a simbologia da benção (Ronaldo Brito), o estupro
da agregada (André Laurentino), a morte solitária da mãe
(Cíntia Moscovich). As três escritoras americanas (Rebecca
Miller, Mary Gaitskill e Bloom)
praticam uma prosa confessional e entendem literatura como
psicodrama narrado ou exposição pública de seus medos e carências. Qualquer coisa derrapa do intimista para o edificante e a autoajuda, mas a prosa
prolixa, meio histérica, oferece
surpresas, algumas duras, outras tocantes.
O esquete de David Mamet
demonstra a ação destrutiva
das mães por meio de uma curta cena familiar diante do banheiro público, assistida por
um estranho. O leitor fica na
posição de quem vê um filme
mudo ou uma mímica fatal.
Outro americano, Joshua Ferris,
constrói uma espécie de diário
médico aplicado ao caso da velha mãe cujo medo de aranhas,
amplificado pelo arranhar de
um guaxinim na parede, resulta
num convincente testemunho
da chegada da morte.
O peruano Daniel Alarcón
narra o impacto provocado no
narrador pela morte acidental
de um casal de tios cegos e as visitas que faz ao bairro pobre
aonde viviam e à clínica psiquiátrica onde o pai cumpre pena. Se há aí algum esquematismo, no conto de Orhan Pamuk,
Prêmio Nobel de 2006, não há
nenhum. A narração evocativa
clássica apenas deixa entrever a
dor do menino, quando o pai
deixa a família, através do furioso jogo de figurinhas com o
irmão. Quando tudo se expõe e
exibe, como no relato das americanas, o pudor anacrônico
desse relato é invulgar.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na
Unicamp.
GRANTA -VOLUME 5
Editora: Alfaguara/Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (248 págs.)
Avaliação: bom
Lançamento: 16/3, às 19h, na Livraria
Cultura do Conjunto Nacional, em debate com Ronaldo Correia de Brito, André
Laurentino e Lourenço Mutarelli
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