São Paulo, sábado, 27 de fevereiro de 2010

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LIVROS

Crítica/ "Granta - Volume 5"

Contos abordam as relações familiares de forma realista

Variedade das histórias favorece a identificação do leitor com os personagens

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O quinto número da revista "Granta" em português é dedicado ao tema da família e se inspira na edição inglesa, de 1991, cujo título era "Family, They Fuck You Up". É sintomático que tenham sumido com a segunda parte do título. No Brasil, a família é sagrada e não fode com ninguém, nem literariamente.
A coleção traz 11 contos (e um ensaio fotográfico) fiéis à linha editorial de privilegiar a abordagem realista. O conjunto, mais do que cada um dos contos, é gostoso de ler. A variedade em torno do assunto sobre o qual todos têm o que palpitar e com o que se identificar favorece a leitura.
A principal figura dos contos é a mãe, seguida por tios, pais, filhos, esposas, agregados, além da governanta e de um gato. Curiosamente, não aparece a principal vilã da família, a madrasta, e tampouco a amante, a não ser incidentalmente, no conto de Amy Bloom. Novos tempos ou amostragem pouco representativa?
Por azar, os autores brasileiros não saem do horizonte típico: a descoberta erótica (Zuenir Ventura), a simbologia da benção (Ronaldo Brito), o estupro da agregada (André Laurentino), a morte solitária da mãe (Cíntia Moscovich). As três escritoras americanas (Rebecca Miller, Mary Gaitskill e Bloom) praticam uma prosa confessional e entendem literatura como psicodrama narrado ou exposição pública de seus medos e carências. Qualquer coisa derrapa do intimista para o edificante e a autoajuda, mas a prosa prolixa, meio histérica, oferece surpresas, algumas duras, outras tocantes.
O esquete de David Mamet demonstra a ação destrutiva das mães por meio de uma curta cena familiar diante do banheiro público, assistida por um estranho. O leitor fica na posição de quem vê um filme mudo ou uma mímica fatal.
Outro americano, Joshua Ferris, constrói uma espécie de diário médico aplicado ao caso da velha mãe cujo medo de aranhas, amplificado pelo arranhar de um guaxinim na parede, resulta num convincente testemunho da chegada da morte.
O peruano Daniel Alarcón narra o impacto provocado no narrador pela morte acidental de um casal de tios cegos e as visitas que faz ao bairro pobre aonde viviam e à clínica psiquiátrica onde o pai cumpre pena. Se há aí algum esquematismo, no conto de Orhan Pamuk, Prêmio Nobel de 2006, não há nenhum. A narração evocativa clássica apenas deixa entrever a dor do menino, quando o pai deixa a família, através do furioso jogo de figurinhas com o irmão. Quando tudo se expõe e exibe, como no relato das americanas, o pudor anacrônico desse relato é invulgar.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.


GRANTA -VOLUME 5

Editora: Alfaguara/Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (248 págs.)
Avaliação: bom
Lançamento: 16/3, às 19h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em debate com Ronaldo Correia de Brito, André Laurentino e Lourenço Mutarelli




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