São Paulo, sexta-feira, 27 de março de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Gosto do pragmatismo do teatro"

O premiado Tom Stoppard diz à Folha que reação do público interfere em sua obra, que não é "irretocável'

"Rock'n'Roll", nova peça do dramaturgo, estreia no Rio em abril; autor diz que obra sobre banda tcheca é "pseudoautobiografia"


JULIANA LUGÃO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Tom Stoppard escreve. E só. O dramaturgo dispensa e abomina rótulos ("peças políticas", "peças de teatro do absurdo") que suas peças, não raro, recebem. "Não faço nenhuma dessas coisas. Esse joguete de categorizações não acrescenta nada à dramaturgia."
Aos 71, sir Stoppard já recebeu quatro vezes o Prêmio Tony, o Oscar do teatro americano, e sua trilogia "The Coast of Utopia" [a costa da utopia] bateu o recorde de prêmios recebidos (sete), que estava com Arthur Miller e Alan Bennett.
"Rock'n'Roll" (2006), sua obra mais recente, estreia no Rio em abril e depois em São Paulo. A peça estava prevista para fechar o Festival de Curitiba, mas ontem o codiretor Felipe Vidal disse que isso não ocorreria (leia ao lado). "O festival não ofereceu estrutura para montá-la", afirmou. Entre Praga e Londres, num período que vai da Primavera de Praga à Revolução de Veludo, Stoppard conta a história da banda The Plastic People of the Universe. No epicentro do drama, Jan, o rapaz nascido em Praga que se muda para Londres. E Max, o velho professor de teoria comunista em Cambridge. Na trilha, Stones, Dylan, Plastics. E uma passagem de um Syd Barrett pós-Pink Floyd.
À Folha ele fala da peça e do exercício de contar histórias.

 

FOLHA - "Rock'n'Roll" vai muito além da música. Como surgiu a ideia de escrevê-la?
TOM STOPPARD -
Aconteceu. Eu nunca acredito que tenho uma peça até que um número de ideias que parecem pertencer a peças distintas se aglomere. Essa peça é uma pseudoautobiografia. Quando eu era criança, meu pai, que era tcheco, morreu na guerra. Se minha mãe não tivesse se casado com um inglês, provavelmente teria voltado para a Tchecoslováquia comigo e com meu irmão. Achei interessante escrever sobre o que teria acontecido se tivesse voltado em vez de ter me tornado um garoto inglês. Ao mesmo tempo, um amigo tinha me contado a história do Syd Barrett, o astro do rock levando uma vida comum em uma pequena casa no subúrbio. Quando era jovem, eu tinha necessidade de saber muito sobre o que estava fazendo. Já não sou jovem. É muito melhor encontrar uma pista para entrar na peça e ir em frente, sem ter muita ideia da estrutura.

FOLHA - E de onde vêm as pistas?
STOPPARD - Não sei qual a técnica de escrever uma peça. Meu problema, geralmente, é a fala seguinte. O teatro é uma forma de contar histórias. A única coisa em que penso é que estou escrevendo para o teatro, e não para o leitor. Teatro não é só o texto, é todo o acontecimento.

FOLHA - O sr. participa do processo de montagem?
STOPPARD -
Gosto de ir a todos os ensaios e faço ajustes nos textos durante o processo. Para mim, é a fase final da escrita. Mas é claro que cada diretor trabalha de uma forma. Alguns preferem que você desapareça por uma ou duas semanas.

FOLHA - A reação da plateia também é parte da escrita?
STOPPARD -
É imprescindível ver a primeira reação do público para considerar uma peça pronta. Há autores que consideram suas peças irretocáveis no minuto em que a entregam para os atores e o diretor. Eu não. Eu gosto do pragmatismo do teatro, que é ao vivo.

FOLHA - O sr. diz que o teatro vai além do texto. Já pensou em dirigir?
STOPPARD -
Dirigi acho que duas vezes na minha vida toda. Uma vez porque achava covardia dizer não a todos os convites. Depois dirigi uma peça minha, há mais ou menos 20 anos. E jamais dirigiria novamente se não fosse uma peça escrita por mim. Eu sou é muito preguiçoso para dirigir, não me interesso tanto pela natureza do trabalho de um diretor. Além disso não tenho uma imaginação visual muito boa, dependo muito dos cenógrafos para imaginar a mise-en-scène. Tento descrever uma produção hipotética, mas para ajudar o leitor [quando a peça é publicada], não espero que os cenógrafos levem em conta essas descrições.

FOLHA - O Plastic People of the Universe toca ao vivo na montagem em Praga. Como foi ver isso?
STOPPARD -
Foi de tirar o fôlego. No final da peça, o palco é suspenso aos poucos, e a banda está tocando ali embaixo. Um problema do original é que, idealmente, deveria haver mais músicas da banda. Mas, no início, ela só tocava músicas em tcheco, e as letras não fariam o sentido para a plateia inglesa. Queria ter feito uma versão diferente para o público tcheco, acho que teria sido maravilhoso ter mais músicas deles em vez de americanas e inglesas.


Texto Anterior: Cinema: HSBC organiza ciclo de
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.