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Crítica/ "Gonzos e Parafusos"
Livro falha ao retratar limite entre encenação e delírio
Paula Parisot, pupila de Rubem Fonseca, faz da angústia um clichê narcisista
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
"Gonzos e Parafusos"
é o primeiro romance de Paula
Parisot, que, em 2007, já havia
lançado o livro de contos "A Dama da Solidão", pela Companhia das Letras.
O enredo do romance pode
ser resumido assim: a psicanalista Isabela descobre que o seu
melhor amigo e também namorado ocasional, Federico, tem
um caso de amor, desses com
direito a tapas na cara, com outro homem. O nome do namorado é sintomático, já que escreve: "Como não amar o
Nietzsche? Ele nos dá uma citação apropriada para qualquer
situação".
Enquanto se sente traída e
tem dificuldades para aceitar o
triângulo amoroso em que se vê
envolvida, vive uma espécie de
delírio, no qual imagina ser ora
uma elegante condessa retratada por Gustav Klimt, ora uma
menina crispada e ferida de um
quadro de Egon Schiele.
Não por acaso, claro, são ambos artistas vienenses contemporâneos de Freud: "Por favor,
não me critiquem dizendo que
uso e abuso de citações freudianas. O que posso fazer? A verdade é: Freud nunca é demais".
Não vou contar o final, mas
conto a moral: apenas quando
deixa de exigir a posse exclusiva do amante, deixando-o livre
para amar e ser amado, livra-se
também da necessidade da fantasia sublimada e escapista.
Quem imaginar que essa moral
apenas requenta as fórmulas de
liberação dos anos 70, se engana. Aqui, não se trata de desbunde sexual ou atitude feliz
diante da vida. É quase o oposto
disso, pois não há, no romance,
qualquer clima geracional ou
voluntarismo pessoal aberto à
vida coletiva.
Narcisismo
Trata-se de apresentar uma
personagem única, ensimesmada, que já tentou o suicídio e
se autodescreve seguidamente
por meio de afetos divididos
entre "gosto" ou "detesto". Está
mais perto, portanto, de um clichê narcisista adolescente, no
qual se crê sofrer por ser sensível e frágil, e ser tão frágil porque sensível, ou, de outra maneira, por ser uma alma criativa
e torturada, torturada porque
criativa e vice-versa.
Mas o clichê é o que há de
mais singelo no romance.
O que não é singelo é também o que pode explicar a performance protagonizada pela
autora na Livraria da Vila, pois
uma ideia performática da psicanálise e da literatura está no
cerne do romance.
A certa altura, a personagem
se fantasia como a condessa de
Klimt e se interna numa clínica. Usa até a tiara, por vezes interpretada como coroa. Quer
dizer, trata-se de um psicodrama a que Isabela se dispõe, ao
mesmo tempo em que supostamente delira.
Ocorre que, entre o "acting
out", a encenação deliberada, e o
delírio vivido como existência
única, há um abismo que o romance não distingue, nem tematiza. Concentra-se nas fantasias afetadas que garantem
não se tratar de loucura de gente comum. Como terapia, é tão
eficaz quanto supor que o esnobismo vale pela cultura a que
aspira, ou que a literatura se garanta pelas citações. Como se
um narcisismo turbinado culturalmente fosse uma forma de
cura pelo delírio. Não cola, mas
se colasse, que festa para esses
tempos em que o exibicionismo
tornou-se industrial.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
e autor de "Máquina de Gêneros" (Edusp)
GONZOS E PARAFUSOS
Autor: Paula Parisot
Editora: Leya Brasil
Quanto: R$ 34,90 (172 págs.)
Avaliação: ruim
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