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FORNADA DO MILÊNIO
"God bless the Oscars"
GERALD THOMAS
de Nova York
É genial e emocionante o comercial da cerveja Miller Light
que foi ao ar durante o Oscar.
Feito por um amador com
uma VHS caseira e custando
-exatamente- US$ 80, ele
começa mostrando um placar
onde se lê: "Dedicado aos
apaixonados pelo cinema".
Corta para uma pia cheia de
água, dentro da qual flutua
uma lata vazia de Miller Light.
A câmera segue a trajetória da
pobre latinha dentro da pia,
até que ela se depara com uns
cubículos de gelo boiando na
mesma água. Sem nenhum
grande drama, a lata esbarra
nos cubos de gelo e começa a
afundar. A câmera segue a lata até o fundo da pia, onde ela
finalmente se acomoda e solta
sua última bolha de ar. A trilha musical do comercial é a
voz do próprio garoto que o filmou cantarolando, fora do
tom, o tema de "Titanic".
Esse filminho de 30 segundos
é, antes de mais nada, uma comovente homenagem à arte de
recriar o mundo inalcançável
por meio de pequenos ingredientes. Sim, ele também pode
ser visto como um sarcástico
comentário que mistura arte e
o comércio dos tempos atuais.
Mas antes de tudo isso, o filminho também é a maneira de
um cineasta anônimo dizer
"I'm king of the world", nem
que seja pelos meros 30 segundos que dura o comercial.
Prestar homenagem aos vitoriosos e saber apreciar a festa
dos outros é um ato de generosidade e segurança da própria
grandeza. Em contraponto,
pode-se dizer que reclamar de
tudo é um ato pequeno, mesquinho. Se, no passado, era
considerado "chique" reclamar, protestar contra uma festa como a do Oscar, hoje essa
atitude não passa de simples
ranhetice. Falar mal do que é
consagrado já trouxe adesão
instantânea da "intelligenzia", mas hoje não passa de estupidez e cegueira em relação
ao paradoxo que o garoto do
comercial da Miller Light conseguiu expressar tão bem.
Conheço umas quatro ou
cinco pessoas de profissões e
interesses diversos que ainda
fazem questão de não assistir
ao Oscar. Todos eles, amargos
e chatos por natureza, acham
que toda e qualquer celebração é, necessariamente, o resultado de uma conspiração.
Pra eles, o mundo da vitória se
mostra leve demais, raso, fútil
talvez, e isso os deixa profundamente irritados. Eles não falam "enjoy", não gostam da
competição porque pressentem
que sairão perdedores.
Para várias gerações, ficar
comovido com a entrega de
um troféu era sinônimo de pieguice, viadagem, vergonha.
Graças a Deus, esse final de século trouxe de volta a liberdade de empolgação, a liberdade
da paixão.
Eu a-d-o-r-o o Oscar e não
me envergonho nem um pouco
de ter passado a segunda-feira,
assim como um bilhão de pessoas, vibrando, chorando e
berrando diante da televisão.
Assim como o autor do filminho da Miller Light, eu fui me
virando pra decifrar o mundo
atual e ser parte dele. Mesmo
não concordando com algumas escolhas, me rendi ao
evento. Afinal, ele não era a
meu respeito, e sim uma homenagem para aqueles que haviam sido votados pelos seus
colegas como os melhores da
sua profissão. Como se pode
ver um espetáculo desses sem
ficar feliz, emocionado por
aqueles que saíram com a estátua na mão? Justiças, injustiças, não importa. O jogo da
arte é um jogo sem regras, e é
justamente o acaso que o envolve que nos torna cúmplices
dele. Justiça? Injustiça? O Oscar é uma festa de artistas que
sabem que talento em Hollywood significa unir grandes
lucros com a lucidez risonha
daquele que finge não entender de finanças. E daí?
Chorei quando Robin Williams subiu ao palco. Williams
é, de longe, o melhor e mais
virtuoso comediante americano. Quem duvida do talento
dele, evidentemente nada entende sobre a arte da interpretação. Atuando "sério" ou em
pé diante de um microfone, fazendo do quebra-cabeças universal o mesmo que o cineasta
amador fez com o comercial
da cerveja, Williams é um
grande intérprete de minúsculos detalhes. Sua arte, assim
como o capitalismo cinematográfico, chegou à maturidade.
E como tudo que amadurece, a
arte de Williams se encontra
num território tênue entre a
comédia e a tragédia, uma virtude sutil, no melhor estilo
brechtiano.
Quando anunciaram Matt
Damon e seu parceiro, quase
perdi o pulso. Os dois são a
prova de que Hollywood ainda
é possível. Damon e seu companheiro destroem a teoria
conspirativa dos chatos que só
fazem criticar essa indústria,
sem reconhecer que sua abrangência e tolerância são tão
imensuráveis, enigmáticas e
complexas quanto qualquer
outro "business" capitalista
desse hilariante final de século.
Nem mesmo os criticadíssimos segundos de silêncio que
Jim Cameron pediu (e "encenou" com o elenco mais caro
do mundo -na platéia estavam sentados uns bons US$ 3
bilhões, em cachês), conseguiram me irritar. Só Cameron
sabe o que passou pra conseguir realizar o seu projeto. Seu
berro "I'm king of the world"
expressa com humildade (e
não com a arrogância descrita
pela mídia) o grito de sua vitória final. Não precisamos adorar ou gostar de "Titanic" para
deixar que seu grito nos emocione. Cameron afundou um
navio, mas seu projeto traz à
tona o orgulho da verdadeira
identidade do cinema americano: esse é o país da ação, da
cultura da ação. Talvez ainda
seja uma ação juvenil demais.
Talvez a identidade americana seja pura inocência, mas
uma coisa é certa: aqui não se
luta contra a generosidade ou
alegria daqueles que vencem.
Pelo contrário, aqui cobre-se
qualquer lata com ouro.
God bless the Oscars.
Enjoy.
E-mail: geraldthomas@uol.com.br
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