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Cássia Eller ao vivo
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
enviado especial ao Rio de Janeiro
A mulher-contraste ataca outra
vez. Cássia Eller, 35, volta ao que
ela diz saber fazer melhor: lança
"Veneno Vivo", segundo disco ao
vivo numa carreira de seis álbuns.
Seu forte, afirma, é o palco -logo,
também discos extraídos dali.
Daí parte o contraste. Emblema
de timidez na vida cotidiana, Cássia transforma-se em demônio no
palco. Sua gravadora, PolyGram,
percebe e tenta transformar em
números (o outro ao vivo, de 96,
vendeu 126 mil cópias -só perde
para "Cássia Eller", de 94, com 156
mil; "Veneno Vivo" já sai com 100
mil cópias encomendadas).
A ascensão numerária (antes,
vendera 44 mil exemplares de
"Cássia Eller", em 90, e 25 mil de
"O Marginal", em 92) acentua o
contraste: a tímida vem ficando
menos tímida -o que gente de
sua gravadora atribui à associação
com o multi-homem Waly Salomão, seu "tutor" desde "Veneno
Antimonotonia" (97, 100 mil cópias), disco dedicado à obra de Cazuza que origina o novo "ao vivo".
Antes bicho do mato, ela até já se
distrai e consente em se descontrair em entrevista. "O máximo
que o sucesso mudou em minha
carreira é que já passei por três
empresários", ri, envergonhada.
Mas não sou pessoa que pretenda alcançar o sucesso. Só quero
trabalhar, não fico pensando nesse
negócio de carreira", completa.
A faixa-síntese do novo CD parece desmenti-la. Composta por Péricles Cavalcanti, "Eu Queria Ser
Cássia Eller" seria sinal de que a
"mosca verde" da carreira ascendente já a faz se achar o máximo?
Cássia conta a história devagar,
admitindo que a eminência parda
é, como parece, Waly. "Péricles foi
ao show a convite dele. No começo, não queria ir de jeito nenhum,
disse que não está mais no pique
de ouvir rock'n'roll."
"Não é verdade, isso é intriga",
defende-se Péricles. "Eu sou de
uma geração rock'n'roll, fiz a versão de "It's All Over Now, Baby
Blue', do Bob Dylan, nos anos 70.
Tanto que fui logo na estréia do
show, não resisti nada."
Cássia continua: "No fim, Péricles ficou impressionado por eu
soltar os bichos no palco e não saber nem falar com gente no camarim. Aí resolveu fazer a música".
Ele dá detalhes: "Achei ela tão
maravilhosa que disse no camarim, como um elogio: "Eu queria
ser você'. Disse que ia fazer uma
música com esse nome, mas não
tinha a intenção real de fazer.
Waly achou a idéia genial, insistiu
para que eu fizesse".
O próprio Péricles diz ter achado
estranha a idéia. "Poderia parecer
ególatra, mas Waly deu a explicação: "Não, ela é a Cássia Rejane,
que queria ser Cássia Eller'."
Eller conclui. "Waly queria colocar no show, mas eu não tinha coragem. Só concordei quando saquei: era eu mesma querendo ser
eu, aquela mulher que solta os bichos no palco. No dia-a-dia, não
sou assim. Sou retraída, não gosto
de tomar atitudes, prefiro que façam por mim. Eu queria ser a Cássia Eller", conclui, olhando para o
chão. Mas que a timidez vem cedendo, ela não nega.
Rita, Melodia e Noel
Em "Veneno Vivo", a supremacia de Cazuza cede a um elenco de
autores que conta com Rita Lee,
Lobão, Renato Russo -"todos
muito amigos do Cazuza"- e o
espanhol Camarón de la Isla.
Rita Lee depõe sobre a pupila:
"Essa menina é danada. A mais
completa tradução de um El Niño
musical. Tem voz de trovão, mas
em vez de raios e tempestades, ela
nos oferece um belíssimo sol".
"Soube também que ela é tímida
nos bastidores e ousada no palco.
Gosto muito dessa sabedoria. Sinto-me honrada por ela estar me
cantando. Estou torcendo do lado
de cá para que "La Eller' aceite meu
convite para o acústico da MTV,
que será gravado no começo de junho, no Rio", disse Rita.
Cássia reafirma a identificação
com Melodia, de quem canta
"Farrapo Humano" (outro provável dedo de Waly -que estava por
perto quando Jards Macalé a interpretou, em 72).
"Quero, depois deste disco, lançar um só de músicas inéditas. Liguei para o Melodia outro dia, já
pedi uma música para ele. Eu adoro Luiz Melodia, espero que ele faça", sorri, tímida.
Novamente, o outro lado modifica a história. Fala Melodia: "Liguei para Cássia outro dia me oferecendo para escrever uma música
para ela. Ela falou que queria, mas
é tímida demais, fica na dela. Eu
nem sabia que havia regravado
"Farrapo Humano'. É talentosíssima, sou fã de Cássia Eller".
Mas o projeto de inéditas pode
ser de novo atropelado -depois
de Cazuza, os agentes dessa vez
são o mesmo Waly e Noel Rosa.
Conversamos sobre fazer um
projeto com Noel", diz Cássia. "Eu
queria montar uma opereta dele,
"A Noiva do Condutor'. Noel fez
duas: essa, que Grande Otelo e
Marília Pêra já fizeram no passado, e "O Ladrão de Galinhas', incompleta. Uns amigos de Brasília
que me mostraram, em 86."
Tal fato significaria a reaproximação de uma natimorta carreira
de atriz, que ela descreve no texto
promocional do novo CD ("Sabem que já fui atriz? Pois fui, mas
morro de vergonha quando confesso isso"). Não durou muito: "só
cantando fico à vontade", diz.
A opereta é sonho ainda incerto.
"É difícil. Para montar a opereta
de Noel, precisaria de elenco, orquestra, banda, tudo. Penso em
fazer se for com Waly, acho que já
posso me sentir à vontade como
atriz", diz, olhando para baixo.
Waly Salomão, responsável no
início dos 70 pelo antológico
show/disco "Fatal", de Gal Costa,
ainda estende as asas sobre Cássia
e seus "venenos".
São dele a concepção de capa e a
idéia de reproduzir no estojo de
CD o quadro "Urutu" (28), de
Tarsila do Amaral ("ficou encantado com a serpente protegendo o
ovo; se não fosse ele, eu nunca ia
ver ligação com "Veneno'").
Tudo aponta para uma hegemonia de Waly Salomão (à procura
de nova Gal?), certo? Não é bem
assim. Cássia admite que houve
uma briga -na estréia do show
que agora origina "Veneno Vivo".
"É que eu nunca tinha feito texto, maquiagem, roupa, essas coisas que ele inventou. Antes de começar, fiquei me olhando no espelho e não tive coragem. Não fiz nada do combinado, não falei o texto
do diário do Cazuza, não cantei as
vinhetas. Ele ficou puto, foi embora sem falar comigo."
A crise foi logo contornada, segundo ela. "Fui ao hotel, expliquei, obriguei ele a ir ao show no
outro dia. Aí fiz tudo, cantei "Samba e Amor', do Chico, que eu morria de medo."
A relação parece se encaminhar
para um embate entre personalidades fortes. Se Waly dirigia Gal
com facilidade, Cássia parece
meio porco-espinho.
De todas as vinhetas propostas
por ele, só "Clareia Lua", ciranda
recolhida por Villa-Lobos, chega
ao disco, abrindo "Vida Bandida",
de Lobão. O texto do diário de Cazuza e a canção de Chico, entre
outras, sumiram. "Mas é que eram
partes de músicas que ficaram de
fora do CD. Não fazia sentido incluir", despista, falsa tímida.
O jornalista Pedro Alexandre Sanches viajou
a convite da gravadora PolyGram.
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