São Paulo, sexta-feira, 27 de abril de 2001

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As capas (enquanto os discos se vão)

Livro de luxo reunirá cerca de 600 capas de LPs de bossa nova; acervo é perdido para os estrangeiros

Mtuiti Mayezo/Folha Imagem
Gavin e Rodrigues, entre capas de LPs que integrarão o livro "Bossa Nova e Outras Bossas"


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Você provavelmente continuará não conhecendo, em formato CD, cerca de 600 discos que constituíram o osso e a carne da fase heróica da bossa nova -ninguém quer relançá-los, e os originais em LP vão sendo todos "roubados" pelos estrangeiros (leia texto abaixo). Mas suas capas, ao menos, deverão ser em breve reunidas no livro de luxo "Bossa Nova e Outras Bossas - A Arte e o Design das Capas dos LPs".
Concretizado, o livro será modo de reconhecer o pendor da bossa às artes gráficas e forma enviesada de denunciar a indigência de reedições da área e pressionar gravadoras a alguma atitude protetora.
O projeto é de uma dupla díspar: o baterista dos Titãs, Charles Gavin, 40, agora convertido a pesquisador e "relançador" de discos em várias gravadoras, e o colecionador paulistano Caetano Rodrigues, 65, apaixonado por bossa nova desde sua origem.
Ele se orgulha de seu acervo: "Cerca de 80% de minha coleção eu comprei na época. O que perdi recoloquei depois. Muito do que eu rejeitava na época hoje é raríssimo. E ainda me faltam coisas. Não abro minha coleção para ninguém, permiti ao Charles porque seu trabalho é seriíssimo".
Sairá da coleção de Rodrigues a maioria das reproduções. "Ele tem um faro incrível, é pára-raios de LP raro", define-o Gavin. "Fiquei mal quando vi sua coleção, percebi que há anos me interesso pelo assunto e sei tão pouco."
Gavin estreitou relações com o colecionador em razão de projetos ainda não lançados que leva com Universal e Sony, de resgatar em CD títulos raros da bossa.
"A lista da Universal já está fazendo um ano, não saiu até agora por problemas na liberação de direitos autorais. Às vezes as famílias dos artistas são enroladas. A Universal tem caixas de Vinicius de Moraes e Nara Leão prontas e paradas por isso", explica Gavin.
"Muitos desses artistas são magoados. Meirelles, por exemplo, era o Liminha da época. Arranjou e gravou todo mundo da bossa. Hoje é profundamente magoado de não ser reconhecido e não continuar na indústria, que nem o recebe mais. Fui falar com ele, ele dificulta tudo pela mágoa", conta.
Por essas e outras, o segmento bossa nova do projeto que Gavin levou na Sony (e que resultou em série de black music nacional lançada há pouco) também continua encalhado.
Rodrigues é quem define o polêmico número de mais ou menos 600 discos que comporão o livro. Ele circunscreve a bossa "verdadeira" ao período de sua origem (58) à sua primeira derrocada (66 ou, com maiores restrições, 67).
"Estamos discutindo isso ainda, mas eu pararia no disco de Tom Jobim com Frank Sinatra. Não colocaria as estréias de Caetano, Gil e Gal. De Geraldo Vandré, só o primeiro", diverte-se Rodrigues.
A idéia dele e de Gavin é reproduzir de acordo com afinidades temáticas as capas de todos eles num livro quadrado, formato capa de vinil, com textos explicativos, crédito aos autores de arte e foto e, encartados, quatro CDs resumindo fonograficamente o material compilado em imagem.
Essa última parte da idéia é da empresária Paula Lavigne, a quem Gavin apresentou o projeto. Encantada, a mulher de Caetano Veloso resolveu encampar a captação de recursos e, segundo Gavin, já trabalha nos EUA por um lançamento internacional.
A associação surgiu porque Gavin também leva projeto de reedição de discos da bossa pela Natasha, gravadora de que Paula é sócia, em sistema de licenciamento de títulos das grandes gravadoras.
"Ela é empresária, não está aí para brincadeira. No ato, propôs que não fosse só esse livro, mas que houvesse depois outros de outros ramos da MPB", diz Gavin.
Paula confirma o olho no exterior, que já exerce com os artistas que administra (Caetano e Moreno Veloso, Daniela Mercury, Virgínia Rodrigues), mas justifica a aparente prioridade:
"O exterior é que é mais voltado para a gente. O Nordeste não compra disco, porque a inadimplência é grande. Há o jabá, o negócio de disco no Brasil vai de mal a pior, o exterior é onde a gente sobrevive, a salvação".
Ela põe dúvidas sobre a viabilidade comercial do livro: "A gente não precisa necessariamente de editora. Se houver patrocínio, prensamos 2.000 cópias, talvez para dar de presente a formadores de opinião. Depois vemos se é possível comercializar. Queremos que aconteça ainda em 2001".
Gavin vai por outro lado: "Tem de ser acessível, o preço precisa ser o menor possível. Não estamos pensando em grana, mas em resgate de patrimônio cultural".


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