São Paulo, quarta-feira, 27 de abril de 2005

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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA

Suítes e sabedorias de Antonio Meneses

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Já era um concerto excepcional meia hora antes de o violoncelista Antonio Meneses pisar no palco do teatro Cultura Artística, na segunda-feira. Nos dois sentidos da palavra "excepcional": em primeiro lugar, fora do comum -porque onde já se ouviu falar de lotação esgotada, com fila de gente na porta, num teatro de 1.200 lugares, para escutar um recital de violoncelo solo, interpretando um programa de "Suítes" de Bach (1685-1750) e música contemporânea brasileira?
Excepcional também no segundo sentido do termo: muito acima da qualidade normal, como ficou claro desde o primeiro compasso atacado pelo pernambucano no seu novo violoncelo (um Gagliano, de 1704).
Tocando desde 1998 com o Trio Beaux Arts (com quem se apresentou no mesmo Cultura Artística há seis anos), Meneses tem declarado repetidas vezes a importância de fazer música de câmara com seus parceiros, em especial com o octogenário pianista Menahem Pressler. De lá para cá, é impressionante ver o quanto foi capaz de descobrir virtudes próprias, que só a vivência musical é capaz de mobilizar assim.

Tensão
Para além do virtuosismo técnico, o que mais impressiona é uma qualidade de energia, uma tensão, ou elasticidade da música, mantida no limite, a cada nota e a cada silêncio. São cabos tensos de inteligência musical, que não deixam espaço para o menor relaxamento da atenção. Tudo está no limite, mas sem qualquer exagero, mantendo sempre a maior naturalidade. Antonio Meneses é um artista de honestidade total e não faz nada que não seja aberto e livre de efeito.
Foi assim no Bach e assim também nas pequenas obras encomendadas a compositores brasileiros, como prelúdios: "Etius Melos", de Ronaldo Miranda (1948), antes da "Suíte 1"; "Praembulum", de Almeida Prado (1943), antes da terceira; e "Preludiando", de Mariza Rezende (1944), antes da "Suíte 5". Ontem à noite, seria a vez de apresentar as composições de Marlos Nobre (1939), Edino Krieger (1928) e Marco Padilha (1955), antes das "Suítes" pares.
Ronaldo Miranda escreveu sua peça a partir do conhecido tema em arpejos da primeira "Suíte", que ganhou acentos rítmicos brasileiros. Em forma A-B-A, com uma seção lenta no meio, baseada em outra peça de Bach, é um despretensioso estudo da "causa" melódica, como quer o título em latim.
Almeida Prado -que terá sua "Sinfonia dos Orixás" apresentada nesta semana pela Osesp- latinizou, também, o seu "preâmbulo"; mas a língua mais a propósito, no caso, seria o alemão, de onde vêm as letras B-A-C-H, correspondentes às notas si bemol-lá-dó-si, base de sua linda cantilena e motor das dissonâncias em cordas duplas.
De sua parte, Mariza Rezende optou pelo gerúndio; e tudo na sua música está mesmo se fazendo, como se fosse uma improvisação. Com direito a efeitos especiais, mas calcada no fundo da nota dó, tônica da "Suíte 5" de Bach, e espetacular na quarta corda solta do violoncelo de Meneses (que ele gosta de atacar em "pizzicato", com o arco).
Recém-gravadas pelo violoncelista, suas "Suítes" ao vivo são ainda mais impressionantes. Na saída, a garoa fina, em pleno burburinho no "trottoir" da rua Nestor Pestana, sugeria sabedorias de outono, depois dessas lições de música e de vida.


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