|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
Suítes e sabedorias de Antonio Meneses
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Já era um concerto excepcional meia hora antes de o violoncelista Antonio Meneses pisar
no palco do teatro Cultura Artística, na segunda-feira. Nos dois
sentidos da palavra "excepcional": em primeiro lugar, fora do
comum -porque onde já se ouviu falar de lotação esgotada, com
fila de gente na porta, num teatro
de 1.200 lugares, para escutar um
recital de violoncelo solo, interpretando um programa de "Suítes" de Bach (1685-1750) e música
contemporânea brasileira?
Excepcional também no segundo sentido do termo: muito acima
da qualidade normal, como ficou
claro desde o primeiro compasso
atacado pelo pernambucano no
seu novo violoncelo (um Gagliano, de 1704).
Tocando desde 1998 com o Trio
Beaux Arts (com quem se apresentou no mesmo Cultura Artística há seis anos), Meneses tem declarado repetidas vezes a importância de fazer música de câmara
com seus parceiros, em especial
com o octogenário pianista Menahem Pressler. De lá para cá, é
impressionante ver o quanto foi
capaz de descobrir virtudes próprias, que só a vivência musical é
capaz de mobilizar assim.
Tensão
Para além do virtuosismo técnico, o que mais impressiona é uma
qualidade de energia, uma tensão,
ou elasticidade da música, mantida no limite, a cada nota e a cada
silêncio. São cabos tensos de inteligência musical, que não deixam
espaço para o menor relaxamento
da atenção. Tudo está no limite,
mas sem qualquer exagero, mantendo sempre a maior naturalidade. Antonio Meneses é um artista
de honestidade total e não faz nada que não seja aberto e livre de
efeito.
Foi assim no Bach e assim também nas pequenas obras encomendadas a compositores brasileiros, como prelúdios: "Etius
Melos", de Ronaldo Miranda
(1948), antes da "Suíte 1";
"Praembulum", de Almeida Prado (1943), antes da terceira; e
"Preludiando", de Mariza Rezende (1944), antes da "Suíte 5". Ontem à noite, seria a vez de apresentar as composições de Marlos Nobre (1939), Edino Krieger (1928) e
Marco Padilha (1955), antes das
"Suítes" pares.
Ronaldo Miranda escreveu sua
peça a partir do conhecido tema
em arpejos da primeira "Suíte",
que ganhou acentos rítmicos brasileiros. Em forma A-B-A, com
uma seção lenta no meio, baseada
em outra peça de Bach, é um despretensioso estudo da "causa"
melódica, como quer o título em
latim.
Almeida Prado -que terá sua
"Sinfonia dos Orixás" apresentada nesta semana pela Osesp- latinizou, também, o seu "preâmbulo"; mas a língua mais a propósito, no caso, seria o alemão, de
onde vêm as letras B-A-C-H, correspondentes às notas si bemol-lá-dó-si, base de sua linda cantilena e motor das dissonâncias em
cordas duplas.
De sua parte, Mariza Rezende
optou pelo gerúndio; e tudo na
sua música está mesmo se fazendo, como se fosse uma improvisação. Com direito a efeitos especiais, mas calcada no fundo da nota dó, tônica da "Suíte 5" de Bach,
e espetacular na quarta corda solta do violoncelo de Meneses (que
ele gosta de atacar em "pizzicato",
com o arco).
Recém-gravadas pelo violoncelista, suas "Suítes" ao vivo são ainda mais impressionantes. Na saída, a garoa fina, em pleno burburinho no "trottoir" da rua Nestor
Pestana, sugeria sabedorias de
outono, depois dessas lições de
música e de vida.
Avaliação:
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Música: Briga jurídica tira bandas de show pré-Placebo Índice
|