São Paulo, quinta-feira, 27 de abril de 2006

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Parceria de Dori Caymmi e Joyce reforça nostalgia do Brasil perdido

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Os dois rechaçam a palavra "nostalgia", mas "Rio-Bahia", CD de Joyce e Dori Caymmi, tem "Saudade do Rio" (Dori/Paulo César Pinheiro) e "Saudade da Bahia" (Dorival Caymmi).
Ainda tem "...E Era Copacabana" (Carlos Lyra/Joyce), sobre o que o bairro foi; "Mercador de Siri" e "Flor da Bahia" (ambas de Dori/Pinheiro), com memórias de Salvador; "Joãozinho Boa-Pinta" (Geraldo Jacques/Haroldo Barbosa), malandro de um outro Rio; E "Pra Que Chorar" (Baden Powell/Vinicius de Moraes), do tempo em que amanhecer era sinônimo de esperança.
Mesmo com momentos de alegria, o disco expressa o lamento por um Brasil que poderia ter sido e não será mais. Juntos, Joyce fala disso com alguma ternura, mas Dori, com seu divertido mau humor, transborda veneno.
"O Brasil nunca, desde que fui para os Estados Unidos, se interessou realmente por música. A coisa ficou muito comercial. As pessoas ouvem uma música que não é nossa", critica Dori, 62.
Ele vive há 16 anos em Los Angeles fazendo arranjos de músicas brasileiras para CDs norte-americanos. Vem ao Brasil três vezes por ano rever a família e amigos como Joyce, cujo primeiro disco, de 1968, teve arranjos seus. Em comum, os dois têm as "mesmas poucas ambições", como ele diz.
"Estamos conscientes de que não vamos vender 1 milhão de discos nunca. Mas vamos tentar levantar o padrão de espírito das pessoas através de uma música boa", diz Joyce, 56.

Mendes
Dori se distancia completamente de Sergio Mendes, que se radicou há 40 anos em Los Angeles mesclando a música brasileira às novidades pop.
"Ele é o cara do sabonete, é um produto, vive disso. Trabalhei para ele, tentei fazer arte, mas não teve como. Fui um dos últimos dos moicanos. Depois de mim veio Carlinhos Brown e ele ganhou um Grammy. É sinal de que eu estava pisando na bola. Ou o Grammy está pisando", ironiza.
A música de Dori tem, segundo ele, "uma brasilidade sem Antonio Carlos Magalhães, mas com muito Antonio Carlos Jobim". Ele usa "Piano na Mangueira", de Tom e Chico Buarque, para falar do empobrecimento da música que faz sucesso hoje.
"Olha a diferença: "A minha música não é de levantar poeira..." E "Levantou poeira..." [hit de Ivete Sangalo]", canta, antes de afirmar que "hoje, a música é a arma do corpo". "Querem pular, mexer, participar dançando. O hip hop é corpo, não tem alma nenhuma."
Dori é um notório desafeto do mundo pop ("A música se perdeu quando aconteceu a multidão"), e avisa que nunca permitirá que canções suas sejam remixadas ou "deformadas".
"Eu não quero esse direito autoral. Quero o direito pelo meu trabalho como ele é. As pessoas podem até mudar, mas respeitando o trabalho do compositor. Senão, eu quero vetar a gravação", diz.
Ao contrário de entrevistas anteriores, Dori não criticou Caetano Veloso e Gilberto Gil, mas não resistiu a uma piada velada: "A imprensa explora muito esse meu lado agressivo. Às vezes recebo uns telefonemas: "pô, pega leve". Mas eles gravam com Zezé di Camargo. Eu não gravo não. E não dou medalha da cultura".
Apesar de tudo, ele não descarta voltar a morar no Brasil, mas "no mato". "Não é lugar grande. É o suficiente para não ter invasão de sem-terra nem a música do vizinho, o "roquenrol". Aliás, eu prefiro o sem-terra do que o "roquenrol" do vizinho", brinca.


Rio-Bahia
Artistas: Joyce e Dori Caymmi
Gravadora: Pau Brasil/Biscoito Fino
Quanto: R$ 32, em média



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