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Parceria de Dori Caymmi e Joyce
reforça nostalgia do Brasil perdido
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Os dois rechaçam a palavra
"nostalgia", mas "Rio-Bahia", CD
de Joyce e Dori Caymmi, tem
"Saudade do Rio" (Dori/Paulo
César Pinheiro) e "Saudade da
Bahia" (Dorival Caymmi).
Ainda tem "...E Era Copacabana" (Carlos Lyra/Joyce), sobre o
que o bairro foi; "Mercador de Siri" e "Flor da Bahia" (ambas de
Dori/Pinheiro), com memórias
de Salvador; "Joãozinho Boa-Pinta" (Geraldo Jacques/Haroldo
Barbosa), malandro de um outro
Rio; E "Pra Que Chorar" (Baden
Powell/Vinicius de Moraes), do
tempo em que amanhecer era sinônimo de esperança.
Mesmo com momentos de alegria, o disco expressa o lamento
por um Brasil que poderia ter sido
e não será mais. Juntos, Joyce fala
disso com alguma ternura, mas
Dori, com seu divertido mau humor, transborda veneno.
"O Brasil nunca, desde que fui
para os Estados Unidos, se interessou realmente por música. A
coisa ficou muito comercial. As
pessoas ouvem uma música que
não é nossa", critica Dori, 62.
Ele vive há 16 anos em Los Angeles fazendo arranjos de músicas
brasileiras para CDs norte-americanos. Vem ao Brasil três vezes
por ano rever a família e amigos
como Joyce, cujo primeiro disco,
de 1968, teve arranjos seus. Em
comum, os dois têm as "mesmas
poucas ambições", como ele diz.
"Estamos conscientes de que
não vamos vender 1 milhão de
discos nunca. Mas vamos tentar
levantar o padrão de espírito das
pessoas através de uma música
boa", diz Joyce, 56.
Mendes
Dori se distancia completamente de Sergio Mendes, que se radicou há 40 anos em Los Angeles
mesclando a música brasileira às
novidades pop.
"Ele é o cara do sabonete, é um
produto, vive disso. Trabalhei para ele, tentei fazer arte, mas não teve como. Fui um dos últimos dos
moicanos. Depois de mim veio
Carlinhos Brown e ele ganhou um
Grammy. É sinal de que eu estava
pisando na bola. Ou o Grammy
está pisando", ironiza.
A música de Dori tem, segundo
ele, "uma brasilidade sem Antonio Carlos Magalhães, mas com
muito Antonio Carlos Jobim". Ele
usa "Piano na Mangueira", de
Tom e Chico Buarque, para falar
do empobrecimento da música
que faz sucesso hoje.
"Olha a diferença: "A minha
música não é de levantar poeira..."
E "Levantou poeira..." [hit de Ivete
Sangalo]", canta, antes de afirmar
que "hoje, a música é a arma do
corpo". "Querem pular, mexer,
participar dançando. O hip hop é
corpo, não tem alma nenhuma."
Dori é um notório desafeto do
mundo pop ("A música se perdeu
quando aconteceu a multidão"), e
avisa que nunca permitirá que
canções suas sejam remixadas ou
"deformadas".
"Eu não quero esse direito autoral. Quero o direito pelo meu trabalho como ele é. As pessoas podem até mudar, mas respeitando
o trabalho do compositor. Senão,
eu quero vetar a gravação", diz.
Ao contrário de entrevistas anteriores, Dori não criticou Caetano Veloso e Gilberto Gil, mas não
resistiu a uma piada velada: "A
imprensa explora muito esse meu
lado agressivo. Às vezes recebo
uns telefonemas: "pô, pega leve".
Mas eles gravam com Zezé di Camargo. Eu não gravo não. E não
dou medalha da cultura".
Apesar de tudo, ele não descarta
voltar a morar no Brasil, mas "no
mato". "Não é lugar grande. É o
suficiente para não ter invasão de
sem-terra nem a música do vizinho, o "roquenrol". Aliás, eu prefiro o sem-terra do que o
"roquenrol" do vizinho", brinca.
Rio-Bahia
Artistas: Joyce e Dori Caymmi
Gravadora: Pau Brasil/Biscoito Fino
Quanto: R$ 32, em média
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