São Paulo, domingo, 27 de abril de 2008

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

meu amor, Paulo Autran

Ela namorou por dez anos com o diretor Antunes Filho e depois passou 33 anos casada com Paulo Autran. Viu os dois fazerem "papagaios" em bancos para produzirem suas próprias peças, num tempo romântico em que não existia o pragmatismo da Lei Rouanet. Agora sozinha, Karin Rodrigues planeja voltar ao teatro

Marlene Bergamo/Folha Imagem
A atriz Karin Rodrigues com as vira-latas Frida e Clara, no jardim de sua casa, na capital paulista

Um temporal de outono escurece a tarde de São Paulo, quando a atriz Karin Rodrigues, 72 anos, abre a porta da casa, de frente para uma praça no Jardim Paulistano. Ela veste uma blusa púrpura, um colar com pingentes em forma de pimentas e carrega uma sombrinha florida. "Vem! Vem! Corre! Eu prendi os cachorros para não pularem em você!" Os cachorros -duas vira-latas, Clara e Frida (os nomes de sua mãe alemã), e um labrador, Zizi- podem desfilar pela casa desde que Karin perdeu o marido -o ator Paulo Autran, em outubro de 2007. "Ele não gostava de vê-las deitadas no sofá, não é meninas?", diz, alisando o pêlo da então sonolenta Clara.

 

Desde moça, Karin ocupou o cargo de, digamos, primeira-dama do teatro. Aos 28 anos, conheceu o diretor Antunes Filho e passaram dez anos juntos, até que, em 1974, sua amizade com Paulo Autran transformou-se num "amor calmo" -o oposto da relação com o primeiro. "É sempre um mistério porque você ama uma pessoa."

 

"Acho que ele [Antunes] compreendia a criança que eu fui. Ele era inteligente. Era uma relação emocionante." Parte da "emoção" do relacionamento estava no fato de Antunes ser então casado (com a artista plástica Maria Bonomi). Quando ele terminou o casamento, a relação com Karin também ruiu. "O Paulo era mais centrado, combinava mais com a idade que eu tinha." Os dois oficializaram o casamento (o terceiro de Karin) só em 1999, com uma festa no apartamento de Paulo, nos Jardins, a 30 minutos da casa dela -eles nunca moraram juntos.

 

"Eu tenho cachorro. Ele não gostava. Ele dizia: "Fecha a janela". Eu gosto das janelas escancaradas. Mas nós tínhamos o mesmo humor. Sentávamos numa praça à tarde e conversávamos. Daí passava uma gorda de minissaia. Ele dizia [séria, engrossando a voz]: "Nossa, como ela ficou bem com essa saia, não?" E eu [ainda séria]: "Realmente, como ela está elegante". As pessoas deviam pensar que a gente só falava de arte. Era nada. Ele bordava tapetes. Uns tapetes horrendos, ele mesmo reconhecia. [rindo] Daí ele riscava os meus bordados, com uns desenhos ingênuos. [suspira] Era muito bom."

 

Além dos casamentos que fizeram dela uma espectadora privilegiada dos bastidores do teatro brasileiro, Karin atuou em 31 peças, muitas delas com Paulo. "Ele fazia "papagaios" [empréstimos bancários] pra montar os espetáculos. O Antunes também. Montavam com dinheiro próprio e depois iam pagando. Hoje em dia, Lei Rouanet virou um vício." Além de ter encarecido as produções. "Eles estavam mais preocupados com qualidade. Hoje, muitos produtores querem patrocínio e pouco ligam para a peça. O patrocinador pensa: "Tem ator global?" Se tem, existe patrocínio." Ela sente na pele a dificuldade: busca produtor e patrocínio para montar em SP "Sonata de Outono", "mas, com a Globo, mudou tudo".

 

Segundo Karin, ao contrário de produtores e atores como o amigo Juca de Oliveira, que defende uma rediscussão da Lei Rouanet, Paulo Autran convivia bem com a regra. "Não posso falar por ele. Mas "O Avarento", por exemplo, tinha a lei [Rouanet]. Mas é porque ele fazia peça de qualidade. Ele nunca fez um caça-níquel", afirma. E há muitos "caça-níqueis" hoje em dia? "Olha, teatro sempre foi coisa de elite. Até surgiu o Arena, que era mais barato, tinha essa proposta. Mas, veja pelas estréias de antigamente: eram sempre chiques, com trajes de noite. Isso não mudou muito. Ainda existem peças nos Sescs, mais experimentais, mas são minoria."

 

Até perto dos 30 anos, Karin se dedicou aos dois filhos, Christiana e Jorge. Quando começou a atuar no teatro, recebeu convites também para TV -fez nove novelas. "A televisão é superficial, leva ao sonho da celebridade instantânea. Ninguém mais quer fazer uma carreira lenta, no teatro. O Paulo detestava televisão. Adorou fazer as novelas que fez, mas não queria mais. Porque demorava muito tempo e ele ainda tinha que decorar aqueles textos na maioria das vezes medíocres."

 

Assunto da maior parte dos diálogos, Paulo Autran teve o quarto de sua casa reconstituído ao lado do quarto de Karin. Ela ainda guarda o último maço de cigarro do ator e, na parede, alguns dos tapetes que ele bordou. Deixou de jogar tranca às terças-feiras, hábito que carregou durante todo o casamento. Conserva ainda o costume de assistir a tudo que está em cartaz. "O Paulo fazia questão de ver e eu também", diz. Como hobby, ela lê e ... passa roupa. "É meu hobby. Adoro! Passo até as da empregada!"

 

Sua filha, Christiana, mora no mesmo terreno em que ela, na casa dos fundos. No fim da tarde, as duas olham o jardim, com um exemplar de pau-brasil (presente de Tônia Carreiro), azaléias e primaveras. Sentam-se para tomar sorvete de creme. Pouco antes, ela estava sentada no jardim e erguia os olhos do bordado para dizer:

 

"Eu sempre achei que a vida é uma aventura. Não criei raízes, porque meu pai era imigrante, fugiu da Rússia vestido de mulher, aos 14 anos; minha mãe era separada, ou seja, o casamento não era uma coisa sagrada. Nada é para sempre, certo? Investir em segurança é bobagem, porque a vida é insegura. Eu sei que tenho autonomia de vôo. Se vou encontrar as pessoas é porque gosto, mas nunca porque preciso. Gosto da solidão, sem angústia".

Frase
"Sentávamos numa praça à tarde. Daí passava uma gorda de minissaia. Ele dizia: "Nossa, como ela ficou bem com essa saia, não?" E eu: "Realmente, como ela está elegante". As pessoas deviam pensar que a gente só falava de arte. Era nada. Ele bordava tapetes. Uns tapetes horrendos, ele mesmo reconhecia. (...) Era muito bom."

KARIN RODRIGUES, 72, atriz


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