São Paulo, segunda-feira, 27 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DISCO/LANÇAMENTO

Aos 55 anos, músico inglês lança "Heathen"; primeiro trabalho inédito desde 99 chega às lojas no dia 11 e tem participação de Dave Grohl e Pete Townshend

David Bowie

TETÉ RIBEIRO
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM NOVA YORK

O tempo passa rápido ao lado de David Bowie. O músico britânico, 55, recebe a reportagem da Folha numa suíte do hotel Thompson, no SoHo, em Nova York, sem frescura nem pose. De camiseta cinza e calça de veludo marrom larga, está com o cabelo curto e loiríssimo, com luzes. Ri muito e fácil, uma risada grande e branca.
Os 35 minutos do encontro são parte dos esforços do lançamento de seu novo disco, "Heathen", o primeiro de músicas inéditas desde "Hours...", de 1999, que chega às lojas do mundo em 11 de junho. Leia a conversa abaixo:

 

Folha - "Heathen" é seu disco mais nova-iorquino, não?
David Bowie -
Sim, tem muito da ansiedade de Nova York, e estou falando da ansiedade pré-11 de setembro. É a cidade do estresse. Fico pensando: "Que tipo de mundo é este, onde coloquei uma criança?" [Bowie tem uma filha de dois anos, Alexandria Zahra Jones, com a modelo Iman". Quando 11 de setembro aconteceu, mudou tudo. Deus, o que foi que fizemos? Estamos prestes a começar a 3ª Guerra Mundial? Como este século começou desapontador...

Folha - Parece as lutas do Mike Tyson, em que todo o mundo se prepara para um show e tudo acaba em alguns segundos...
Bowie -
É isso! Exatamente a imagem que eu queria encontrar. Permite que eu a tome de você e use daqui para a frente?

Folha - É toda sua...
Bowie -
Que soco na cara levamos! Foi horrível, horrível. E as expectativas eram tão altas nos anos 90, parecia que tudo poderia ser feito no novo século, um novo começo, faríamos tudo certo desta vez, e a primeira coisa que acontece, nos primeiros segundos, é essa tragédia. Um nocaute!

Folha - Este é o futuro que você imaginava em 1963, quando gravou a primeira música?
Bowie -
Algumas coisas me lembram do que eu imaginava para o futuro na época de "Diamond Dogs" (1974). Os prédios caindo, as gangues de rua tomando conta, as previsões ruins se cumpriram. Mas nada de bom aconteceu. Sou negativo, não?

Folha - Mas tão bem-humorado, não dá para entender...
Bowie -
Eu sei! É que quero ser agradável, no fundo sou muito tímido e envergonhado (risos). Mas tendo a escrever com um ponto de vista sempre negativo. Escrevo sobre medo, ansiedade, abandono, mais medo, mais ansiedade, mais abandono (risos).

Folha - Como você escreve?
Bowie -
O que eu costumo fazer é escrever pequenos pedaços de música e assim que sinto que há ali um pequeno coração batendo, umas pequenas pernas chutando, penso: "Isso promete ser bom". Então paro de mexer e começo a trabalhar em outra letra. Não termino as músicas, coloco tudo em uma mesa de letras recém-nascidas e as levo para o estúdio, onde algumas serão terminadas e outras abandonadas.

Folha - Como escrever com uma criança de dois anos em casa?
Bowie -
Não tem o menor problema, ela é maravilhosa, não me atrapalha em nada e ainda me inspira. Claro que às vezes preciso dizer: "Querida, vá brincar em outro lugar" (risos). A maioria das músicas que escrevi é para ela, por causa dela. É um álbum ansioso e de questionamento, mas talvez eu não tivesse desenvolvido essa ansiedade ou não tivesse me inspirado tanto se ela não estivesse por perto. "A Better Future" (um futuro melhor) é para ela.

Folha - Por que o álbum se chama "Heathen" (pagão)?
Bowie -
Um budista é um pagão, por exemplo. Gosto dessa palavra porque ela é provocadora, é malcompreendida. Gosto da idéia de que as pessoas vão ouvir o álbum e tentar entender porque ele se chama "Heathen" e tirar suas próprias conclusões.

Folha - Pete Townshend e Dave Grohl tocam no disco...
Bowie -
Já trabalhei com Pete e foi ótimo, então resolvemos continuar o que tínhamos parado de fazer. Temos uma conexão muito forte. Quanto ao Grohl, eu achava que era o músico ideal para a música. Simples assim. Odeio divas, e você não tem idéia de como há divas entre os músicos. Não tenho tempo para elas, sou muito velho (risos). Não dá para ficar rodeado de egos enormes.

Folha - O CD tem ainda Pixies.
Bowie -
Adoro os Pixies. É a melhor banda norte-americana dos anos 80. Eu conheço o Charles (Thompson) ou o Frank (Black), como você preferir, muito bem. Escolhi essa música porque ela é pouco conhecida. E queria gravar Pixies porque acho inacreditável como as pessoas não os conhecem aqui. Corta o coração.

Folha - Você conhece bandas da nova cena rock nova-iorquina, como os Yeah Yeah Yeahs?
Bowie -
Não conheço essa banda, mas o Dave Grohl me falou dela. Gosto de Grand Daddys, Sparklehorse, acho muito boas. E as coisas mais comuns, como White Stripes e Strokes. Reconheço o Velvet [Underground" no som dos Strokes. Mas sei de uma coisa que vai diverti-la: uma das primeiras músicas que o Stripes gravou foi "Moonage Daydream", do "Ziggy Stardust". Li na web e estou louco para ouvir!

Folha - Você gosta de ouvir os covers de suas músicas?
Bowie -
Alguns, nem todos. Odeio a versão de "Heroes" do Oasis, não ficou nada bom. Mas gosto muito da do Jacob Dylan.

Folha - E você gostou de ver essa música associada aos policiais e bombeiros de Nova York depois de 11 de setembro?
Bowie -
Achei ótimo! Na minha idade, você não espera mais ouvir suas músicas no rádio (risos). Adoro ver essa nova geração de artistas gravando minhas músicas, me faz pensar que valeu a pena, que minha obra tem valor.

Folha - O que você lembra de suas viagens ao Brasil?
Bowie -
Os shows são sempre bons, mas shows são parecidos no mundo inteiro. Mas tenho um problema com a América do Sul: é difícil aceitar a atual distribuição de renda. Há os muito ricos e os muito pobres, e eles não encontram um jeito de se ajudar.


Texto Anterior: Barbara Gancia: Marmelada? Tem, sim senhor!
Próximo Texto: Frases
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.