|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Romance/crítica
Patrícia Melo testa os limites de sua fórmula
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Escritores que tentam
retratar programaticamente em suas obras
determinados aspectos da realidade precisam lidar com uma
inevitável armadilha, como
acontece com freqüência com
Patrícia Melo, que acaba de lançar "Mundo Perdido", no qual
cria uma continuação para "O
Matador", romance de 1995. O
perigo -óbvio- é de que esta
realidade seja tão avassaladora
que termine por tornar desbotado o "retrato", como está aí
para provar a recente crise de
violência em São Paulo, que
empalidece, por comparação,
qualquer intento "hiper-realista".
Aqui, como em outras obras
da autora, a questão é a da "banalização do mal", conceito que
incorporou seu tema e se transfigurou em lugar-comum de
uma certa linhagem artística,
sobrevivendo com muito mais
eficácia em seriados de TV e no
cinema. O assassino foragido
Máiquel viaja pelo Brasil e pela
Bolívia em busca da filha, distribuindo tiros ou facadas com
o mesmo pouco ânimo com que
cuida do cão vira-lata que adota
ou transa com algumas das mulheres que cruzam seu caminho.
O livro é bem escrito, e a trama, encadeada de modo adequado, mas tudo fica preso numa espécie de zona enovoada,
de meio-tom narrativo que
coincide com a personalidade
do personagem principal.
Tal relação, que poderia sugerir um rendimento bem-sucedido da construção literária,
indica, contudo, talvez mais a
impossibilidade de cruzar um
ponto limite, uma barrreira
magistralmente construída por
Rubem Fonseca nos contos do
início de sua carreira e que tem
sido assimilada sem as já mais
do que necessárias implosões
ou explosões por inúmeros escritores brasileiros (inclusive
pelo próprio Fonseca).
Tudo é tão linear em o "Mundo Perdido" que até mesmo a
tarefa de encontrar instantes
narrativos que se diferenciem,
para o bem e para o mal, é complicada. Salvam-se alguns, como: "Assim, pensei, é muito fácil ser bom (...) Peca de dia e pede perdão à noite. Pecar e pedir
perdão, sem parar. A roda do
mal. Fazer cagada e pedir desculpa. Engorda e emagrece. O
difícil mesmo era ser bom sem
Deus. Ser magro sem dieta. Magro de maldade".
É bom, mas é muito pouco,
como a epígrafe do livro, o poema "The Act", do norte-americano William Carlos Willliams,
nos obriga a perceber. Infelizmente, ao terminar a leitura do
romance, são aqueles versos
que não querem sair da cabeça
do leitor...
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa,
Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da
Morte de Ricardo Reis'" (Globo) e organizador
de "Memórias do Presente" (Publifolha).
MUNDO PERDIDO
Autor: Patrícia Melo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (208 págs.)
Texto Anterior: Crônica/crítica: Autora mostra em narrativas ferinas uma Paris efervescente Próximo Texto: Vitrine - Ficção - Romance: Nexus Índice
|