São Paulo, sábado, 27 de maio de 2006

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Romance/crítica

Patrícia Melo testa os limites de sua fórmula

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Escritores que tentam retratar programaticamente em suas obras determinados aspectos da realidade precisam lidar com uma inevitável armadilha, como acontece com freqüência com Patrícia Melo, que acaba de lançar "Mundo Perdido", no qual cria uma continuação para "O Matador", romance de 1995. O perigo -óbvio- é de que esta realidade seja tão avassaladora que termine por tornar desbotado o "retrato", como está aí para provar a recente crise de violência em São Paulo, que empalidece, por comparação, qualquer intento "hiper-realista".
Aqui, como em outras obras da autora, a questão é a da "banalização do mal", conceito que incorporou seu tema e se transfigurou em lugar-comum de uma certa linhagem artística, sobrevivendo com muito mais eficácia em seriados de TV e no cinema. O assassino foragido Máiquel viaja pelo Brasil e pela Bolívia em busca da filha, distribuindo tiros ou facadas com o mesmo pouco ânimo com que cuida do cão vira-lata que adota ou transa com algumas das mulheres que cruzam seu caminho.
O livro é bem escrito, e a trama, encadeada de modo adequado, mas tudo fica preso numa espécie de zona enovoada, de meio-tom narrativo que coincide com a personalidade do personagem principal. Tal relação, que poderia sugerir um rendimento bem-sucedido da construção literária, indica, contudo, talvez mais a impossibilidade de cruzar um ponto limite, uma barrreira magistralmente construída por Rubem Fonseca nos contos do início de sua carreira e que tem sido assimilada sem as já mais do que necessárias implosões ou explosões por inúmeros escritores brasileiros (inclusive pelo próprio Fonseca). Tudo é tão linear em o "Mundo Perdido" que até mesmo a tarefa de encontrar instantes narrativos que se diferenciem, para o bem e para o mal, é complicada. Salvam-se alguns, como: "Assim, pensei, é muito fácil ser bom (...) Peca de dia e pede perdão à noite. Pecar e pedir perdão, sem parar. A roda do mal. Fazer cagada e pedir desculpa. Engorda e emagrece. O difícil mesmo era ser bom sem Deus. Ser magro sem dieta. Magro de maldade". É bom, mas é muito pouco, como a epígrafe do livro, o poema "The Act", do norte-americano William Carlos Willliams, nos obriga a perceber. Infelizmente, ao terminar a leitura do romance, são aqueles versos que não querem sair da cabeça do leitor...


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis'" (Globo) e organizador de "Memórias do Presente" (Publifolha).

MUNDO PERDIDO    Autor: Patrícia Melo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36 (208 págs.)


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