São Paulo, Quinta-feira, 27 de Maio de 1999
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Pedrosa mostra registros do impalpável

FRANCESCA ANGIOLILLO
free-lance para a Folha

Adriano Pedrosa é artista plástico, escritor e curador e faz questão de articular essas atividades. Em papel pautado, ele registra seu cotidiano. Para tanto, porém, usa uma escrita incomum, na qual os sinais são produto da manipulação do papel, que é levado nos bolsos, dobrado, amassado com as mãos.
A mostra "Diários", que Pedrosa abre hoje em São Paulo, traz mais de cem registros "escritos" ao longo de dois anos, os quais ele mesmo emoldurou, ao fim de cada dia.
"Eu não podia ficar o dia inteiro fazendo registros nessa escrita e, no dia seguinte, mandar para o moldureiro. O registro tinha de ser isolado do mundo, apesar de o papel continuar a sofrer uma certa deterioração encapsulada."
Pedrosa ressalta que "Diários" guarda conceitos sempre presentes em sua trajetória, como a escrita e a inefabilidade da linguagem.
"Neste trabalho, há a questão da linguagem que não dá conta das coisas, que não consegue expressar. E a pauta está lá porque é uma escrita que se tenta fazer, que foge à geometria e à organização da própria pauta."

Abstração corrompida
O papel pautado, para Pedrosa, remete também à abstração geométrica -que é deslocada da realidade e tem sentido próprio, mas é muda, contrária à linguagem verbal. Em contraposição, o purismo da grade que a pauta representa é corrompido pelo modo de fazer, que é táctil, expressivo, corporal.
A grade reaparece na maneira como os diários estão afixados. Todos os quadros estão colocados à mesma altura, mas com distâncias variáveis entre si, com o objetivo de causar estranheza.
"Esse pequeno gesto curatorial de fazer a distinção entre um e outro cria esse outro tipo de tensão, que é contra a grade tradicional de instalação."
Apesar de serem apresentados como um conjunto, cada registro faz sentido sozinho porque, tendo a data assinalada no verso, todos têm um valor documental.
Mas, como num diário comum, a escrita é errática. Por vezes, alguns foram emoldurados sem que o artista os datasse; outros foram esquecidos em bolsos.
Em vez de jogá-los fora, como fazia inicialmente, Pedrosa passou a marcá-los com um "s.d.", de "sem data", alusão a manuscritos arquivados.
Pedrosa diz não reconhecer dias específicos ao olhar para seus registros.
Mas conta que, sabendo de antemão que uma data será importante, leva consigo uma folha para produzir um registro daquele dia.
Pedrosa estabelece uma relação afetiva com "Diários", que chama de "um "trabalho de bolso", aquele objeto discreto e próximo a você."

Mostra: Diários, de Adriano Pedrosa, obras em papel manipulado Dimensões: 27,9 cm x 21,3 cm Onde: galeria Luisa Strina (r. Pe. João Manoel, 974A, tel. 011/280-2471) Quando: hoje, às 19h; de seg. a sex. das 10h às 20h; sáb. das 10h às 14h. Até 3/7 Preço das obras: US$ 600


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